sábado, 21 de agosto de 2010

Como se fosse uma oração

Deus,
Ópio natural que me permite
Não depender de exógenas morfinas,
Venerável Desconhecido: meu anti-sentido,
Liberta-me da religião, a tua sombra.
Afasta-me dos idealistas
Que queiram moldar-me
Ao que eles crêem.
E dos que seguem um Livro Sagrado.
Liberta-me, Senhor,
Do líder, do guru e do pastor.

Ilumina minha crítica
E que, ao crer na Aparência
- A face de um fato -,
Eu saiba transcendê-la
E aprofundar-me no Real.

Tu, que dás vida a anjos e a vermes,
Liberta-me dos puristas e fiéis aos Partidos,
Crentes de que a Teoria é a Verdade.
E também dos bonzinhos revolucionários
Que, recorrentemente,
Dedicam-se a inventar a roda,
Acabando por amordaçar as liberdades.
São fantoches de fantoches de fantoches
De sei lá mais quem,
Que, ao fim, deve ser fantoche também.

(Mas, não sendo mais fantoche,
Que Eu não desmonte ao me livrar dos fios...)

Tu, senhor dos agnósticos,
Que, ao criar infinitos caminhos
Produziste as esquinas e,
Portanto, as incontáveis dúvidas,
Liberta-me do tormento
Das certezas absolutas.




domingo, 8 de agosto de 2010

O eterno exíguo (ou a memória)

Lenta, a memória acerca-se na mente,
É cheiro reconhecido, antiga voz a vibrar no ouvido e:
Visão!
Lá está o que era e ainda é
Pedaço do Universo onde eu fiquei
E a tua voz de então...
No peito entorna-se
Um calor de brasas:
Tu ainda aqueces minha casa,
Paixão.
Somos para sempre dois meninos,
Olhares dados e corpos atados
Mas mais que dois corpos,
Dois irmãos.
Será esta memória estar vivo
Num outro tempo que, embora exíguo,
É eternidade numa aparição?

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Um poeta

Disse-me o poeta:
Não esperes que eu seja raro,
Ou que diga palavras belas.
Sou uma coisa comum
Como um céu cheio de estrelas.
Passo em silêncio no mundo
Mesmo ao viver em palavras.
Sou como um brilho que cega,
E o barro que cobre a lava.
Sou e serei para sempre
Um distante e desconhecido:
Metade e o dobro do Homem,
O Completo e o Dividido.
Não me peças sabedorias
Pois o que eu tenho são versos:
Eu nada sei deste mundo,
Sou eu o meu Universo.