segunda-feira, 30 de julho de 2012

devir


Há um tremor na vida a cada instante,
Um frêmito que podes perceber
Se tens a mente quieta,  vaga mente,
E a ingenuidade de o reconhecer.

A cada instante ela dá o último suspiro
Mas se oferece renascida ao fenecer
Gerando o novo do velho, giro a giro:
Ar que no peito vem entrar após sair.

A vida a si acrescenta o que não era
Levando a fera a ser o oposto à fera,
A fluir e refluir, motor (in)consciente.

O quê vive este fremir  universal,
Qual deus, qual o mistério abissal
A refazer-se, desconhecida Mente?




segunda-feira, 23 de julho de 2012

nossos elementos


Ressoa o ancestral murmúrio do mar,
Voz rouca a ecoar desde o horizonte.
Mar, filho do infinito espaço e mar fonte
De todo corpo vivo da terra e do ar.

Fogo do céu, o sol ao mundo amorna
E doma com sua luz a sombra espessa,
Tramando as cores que o olhar devassa
E que, nas mãos do artista, a arte entorna. 

Disto surgimos, do amálgama medonho
Entre o mar e a terra, e o fogo e o ar,
Vindo o peixe a ser fera e esta a se tornar      
O Ser Humano, onde algum anjo sonha.

Em nós há sal e espuma, nuvem e poeira
Rosnar de fera, cios, amor e a chama
Que é o anjo infante a inventar poemas.

domingo, 8 de julho de 2012

O real e as odisseias

"Outro mundo é possível..." (clichê populista)

Para traduzir do grego paideia: "...não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, tradição, literatura, ou educação; nenhuma delas coincidindo, porém, com o que os gregos entendiam por paideia. Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito global. Para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez." (Jaeger, 1995)


Outro mundo não é possível e tu existes neste,
Feito dos conhecidos norte e sul e leste e oeste
Entre os quais crias caminhos, poemas e traços,
Trabalhos, erro e acerto, pela força dos teus braços
E pela Ideia, esta sim livre e de natureza obscura,
Fonte de vida e beleza a transmutar a matéria dura.

Esta essência misteriosa que te conduz para diante
E vai te tornando Humano, produzindo um diamante,
Independe de quaisquer crenças, partido, ideologia:
Ela não é o resultado, mas a Dinâmica que os cria.
Ela é gana, libido, ideal, é um fogo moldando a lama,
Escondida e inconsciente exceto ao que cria ou ama.

Ela é a alma do mundo, a produzir eras  e povos
E  a soprar sonhos e poemas, e temas  e tempos novos.
E vem à vida por ti, pelas tuas mãos e de tua mente
Como o fruto de uma gestante e em cada obra nascente.
Ela não escolhe o profeta, o iluminado, ou o gênio,
Mas é magma comum às gentes fluindo pelos neurônios.

O outro mundo com que sonhas quem sonha é esta Ideia
E a tua dor pela realidade é o germen de uma Odisseia:
Aprende a sentir o vento a encher-te de força as velas
E, vivendo, transforma o sonho na tua própria Paideia.





sexta-feira, 6 de julho de 2012

sem planos

Nada a dizer, senão tudo que sei, ou nada
A fazer senão o eu que fizer sem planos,
Sem perder tempo, a não ser todos os anos
Que há de haver se é que um deus permita.

O que eu sei do que haverá é quase nada:
A vida planta e colhe em meus silêncios
Enquanto eu nada faço e em nada penso.
A uma chegada rumam passos e estrada.

Dentro de mim sempre haverá paleta e cores,
Trinam em mim  todos os pássaros cantores,
E em mim está o que transforma noite em dia.

Pelas pupilas ainda penetrará a tua imagem,
Que é companheira, e destino, desta  viagem.
Com que algo além do nosso amor eu sonharia?