sábado, 31 de janeiro de 2015

coisas do brasil


Andava pelo Bonfim desfrutando a vida
Com passo despreocupado e sorriso na boca
Até que te vi, garoto, me olhando do chão
Como se fosses coisa, ou lixo ou um cão...

Mas o teu olhar que eu já vira perdido
Nos transes de crack, a morte em que vives,
O teu rosto que eu já vira dormido
Nos cantos da esquina, coberto por panos,

Desta vez era o teu: olhos verdes e tristes
Como os do meu irmão, ou outro eu pelo chão
E a vida, que era estrada, fez-se beco sem saída:

Como pode? por que? para quê? qual a razão?

domingo, 11 de janeiro de 2015

religiões


A crença que te prende e cega, e ensina
A odiar seres humanos de outras crenças
E mata em ti o ideal de viver livre
E  de aceitar tua humanidade e a de outras gentes,

Não é religião, mas sim doença
E seus santos e profetas são dementes.

Porque a misteriosa fé que trazes na alma
É filha do ímpeto de unir-se em amor ao mundo
De difundir o bom e o belo, sendo livre
Pois apenas ao ser livre se é fecundo.

Uma fé só tem sentido se desperta
A luz da compreensão, que nos revela
Que cada ser humano é diferente.

Se todos somos anjos das estrelas
E somos aves para voar nos céus,
E também, árvores presas a raízes,
Se somos feras, víboras do mato,

Além disto, indecifrável paradoxo,
Temos no centro do centro do que somos
Uma centelha da fonte de consciência
Em torno da qual gira o universo

(De um santo, de um ladrão, de um cão ou gato.)

E embora sendo partículas de poeira
Sujeitos à ilusão, à dor e às mortes,
O que nos torna irmãos e semelhantes,

Somos cada um na vida um ser diverso,
Face distinta de um deus a revelar-se:

Um deus-infante, único, independente. 


domingo, 4 de janeiro de 2015

O tempo trama (ano novo 2015)


O tempo elabora o precioso, o sem-preço,
Entre berço e túmulo e túmulo e berço,
Entre amor e mágoa e mágoa e apreço,
Entre perda e prazer e júbilo e perda,

Trama com filigranas as horas o deus tempo
E os intervalos de vazio que cosem os momentos.
O tempo marca em ritmo morte e vida.
É o deus-pai da música. Música é a voz do tempo.

O tempo habita em nós nos ritmos que temos
Na melodia de fundo do filme que vivemos:
Sons de tambor no peito e nos membros,
Canção de amor e dor, a jóia entre escombros.

O tempo trama

Nas gotas de ano a ano, germina os novos tempos,
Na mutação dos genes e dos gênios entre os povos,
Na frutificação de seu broto em nossa alma,
Vai o tempo a transformar o Sonho em Obra.