sexta-feira, 29 de abril de 2016

eleusino

Vida e morte compõem a Vida
Não a minha ou tua, mas Vida:
A infindável fusão de opostos,
Num Devir de corpos e rostos.

A vida toda é um segundo, 
Mas toda a riqueza do mundo
Revela-se na vida que passa:
O Céu desce à Terra por graça. 

A dor que nos dói é em pensar
Que quando a morte chegar
Esta arca do ouro é perdida,

Mas se são irmãs vida e morte,
Guardam ambas a mesma sorte:
Seguirem-se uma à outra na Vida.








quinta-feira, 28 de abril de 2016

Ao Grande Líder (ou utopias e escarros)

Quero me desentupir de utopias,
Desobstruir-me das ideologias,
Viver sem Igreja, bula, ou Partido,
Saber do mundo pela alma e os sentidos.

Pobre é quem renuncia à liberdade
Em nome de uma crença ou ideal,
Ou livro sagrado, poder, burocracia,
Exemplo, camarada ou general.

O sonho da Igualdade entre os homens
É menor que ser o que se é como se queira,
Se renuncio ao que sou, sou uns pedaços
De mim mesmo, vendidos numa feira.

Nos teus discursos que eu não ouvirei
És o honesto, grande herói libertador,
Mas, versão podre de um antigo rei,
Crias vassalos para ser senhor.

Não creio em nada disso que tu pregas.
Não sou um tolo que a alma entrega
Para ser guisado, moído em tuas garras.

Quero fluir humano em transcendências
E só obedecer à minha consciência
A respeitar o irmão no qual tu escarras.






quinta-feira, 14 de abril de 2016

Consciência e mente

Há um aspecto da Consciência que não se modifica.  Aquele menino que, no colo da mãe, viu os presentes de aniversário sobre a cama já era este que escreve, consciente de si. A cada dia de cada década, foi o mesmo ser sensível e agente. O que mudou foi a destreza em manejar seus recursos.
Ao longo de muito tempo, a pessoa confunde o que é com a voz da mente, com a qual embrenha-se em discussões sobre o controle de impulsos ou opiniões alheias. Defende os seus pontos de vista em diálogos internos travados com as imagens de figuras amadas, respeitadas, ou detestadas. Usa a imaginação para discutir, criar hipóteses, num ruído interno.
A pessoa consegue em certos momentos meditar lucidamente sobre um tema utilizando os recursos desta reflexão em palavras. Mas o mais comum para muitos de nós, é uma conversa confusa e fútil. E se nos damos à tarefa de analisar os conteúdos da mente e suas vozes, perdemos tempo enorme com parcos resultados. Esta mente faladora só em parte representa a Consciência e,  comumente, seu discurso é apenas auto-justificação. Torna o que somos compatível com que desejamos ser. Racionalizamos a realidade para nos justificar perante o que somos no mundo. Ou, pior no caso da fé religiosa tradicional quando os mecanismos da culpa pela comparação com figuras perfeitas transforma o diálogo interior em barulho infernal.
Chega um momento, porém, para alguns, em que o conflito de opostos perde o sentido, de modo que o debate interno obrigatório e urgente torna-se recurso dispensável. Este instante da vida irrompe quando a Consciência passa a integrar seus opostos. O momento do Eu sou o que Eu sou de cada um. E a pessoa dá-se conta de que a Consciência de si mesmo é independente da voz da mente. Extinguem-se o ruído do diálogo interno, as racionalizações, os debates e lá está o ser consciente de si, no silêncio, íntegro. O menino a observar os presentes, este homem no mundo, o ser atemporal a contemplar-se, o animal e o anjo. O Espírito.
Não é sem um certo estremecimento que a pessoa se desliga dos ruídos da mente. Desfazer-se de suas bengalas, suas disputas internas, suas justificativas e explicações para lançar-se no caminho desconhecido de ser o que é.
Mas, se o indivíduo segue em frente, dá-se conta de que a ladainha diária era medo. E percebe que um outro tipo de reflexão não-discursiva passa a funcionar na psiquê. No silêncio, a Consciência torna-se mais clara e os atos, espontâneos.
Não significa que o recurso da reflexão pelo diálogo interno seja evitado dali para diante, ou que a imaginação não monte um debate interior em torno de temas pungentes. A Consciência, dentro desta nova dinâmica, pode analisar e iluminar os conteúdos emocionais que fluem como discurso na mente. Deste modo, a mente e seus recursos podem ser usados quando a consciência bem o queira, mas a mente não se confunde mais com a consciência e a pessoa não é mais escrava da mente.




                                                                Psiquê e Eros Jacques-Louis David

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Eu sou o que eu sou

Estar em paz consigo
Ao agir no mundo,
Ou no silêncio a fluir 
Sem palavra ou idéia.

Ser uno consigo,
A reconhecer-se 
E integrar opostos:

Eu sou o que eu sou.

Sentir a energia 
Sempre a brotar

Da interna fonte:
A suave chama
Que se chama 
Amor.



domingo, 3 de abril de 2016

Covilhã: Cava Juliana

Covilhã, das altas montanhas
E das manhãs saborosas,
Frescas manhãs 
Em que retomo a vida e
Revejo tua figura bela.

Mas tu não és menina,
A História o desmente,
Cava Juliana,
Onde os avós romanos
Extraíam vinho
De uvas
Deliciosas
E plantavam
Os humanos
Sonhos de sempre
Entre guerras
E perfume de rosas.

Foste vila pelas mãos de Dom Sancho
No ano de mil cento e oitenta e seis
E delineou Dom Dinis
A muralha que fez
Teu coração medievo.

De ti saíram os descobridores
De terras e gentes
Nos anos quinhentos:
De ti partiu Pêro que
Revelou Moçambique
E o caminho das Indias
Distantes.

E missionários
Com o Cristo
A sangrar no peito
Singraram os mares
A partir de ti,
Da Cova da Beira,
A plantar sua Fé
Pela Terra inteira.

Mas se não és menina
Por que assim te vejo,
Jovem estudante,
Contemporânea?

Por que tua alma
É ainda do Infante,
O Navegador,
Teu primeiro senhor:

Sobre estas pedras
Romanas que piso
O espírito de Sagres

De desbravador
Desvenda futuros
Nos rumos presentes.

Se lá atrás tu relembras
Teu destino consiste
Em singrar sempre à frente.








sábado, 2 de abril de 2016

uirapuru

É silenciosa a tarde, leve o tempo
E suave a sensação de ser completo.
A vida é o que é, não como a sonhas,
Nem tu és o que sabes de ti mesmo.

Distante de tua pátria, és tu a pátria,
De verde, branco, azul e amarelo.
Em ti ressoa o som de uma Bachiana,
E o sol do novo mundo se levanta.

Uirapuru na silenciosa tarde canta
Na européia tarde em que inventas
Verso sem rima a contar do que amas.

De alguma forma, oras na distância
Pelo país que agora é nau sem rumo
Para que chegue a um porto são e salvo.