sábado, 25 de junho de 2016

Orlando



Um poema sobre mistérios conhecidos
Em homenagem à progênie dos bonobos
A celebrar a vitória destes símios
Sobre a violência estúpida dos lobos.

Genes que geraram entre os humanos
A civilização helênica famosa
Onde, em banquetes, o Eros
Que tu amas cantou poesia e prosa.

Sócrates despediu-se de Atenas
Nos braços de Alcibíades, o amado,
Alexandre, preso às coxas de Heféstion,
Conquistou o mundo, enamorado.

Adriano semeou templos, cidades,
Pelas costas do mar Mediterrâneo,
Como honra à morte de Antínoo,
O deus efebo, sagrado eromenos.

E muito além das bordas do Egeu
Brotou o amor de Ganymede e Zeus:
Pelos rumos de Siwa, dois berberes
Cruzaram os desertos de mãos dadas,

Na América viveram os berdaches
De dois-espíritos, homem e mulher,
A sonhar os sonhos de sua tribo,
E a revelar o rumo que um deus quer.

Michelangelo e Da Vinci, pecadores,
Inverteram o Medievo em Arte e Ciência
E verteram seus amores em ternos poemas
Tendo a graça de mancebos como tema.

Noutra era, por Verlaine, Arthur Rimbaud
Incendiou com um zelo iconoclasta
As bibliotecas de regras sobre o amor:
Fogo de escândalo do gênio autodidata

E Marcel Proust ao retomar o Tempo,
Trouxe à luz que esse vício imanente
Não ousa revelar o próprio nome
Mas é ainda a base oculta do Ocidente.

Para André Gide, este amor que era o seu
Não é um vício, mas sim fruto da terra.
Se o grão não morre, e para ele não morreu,
Confere um atávico antídoto à guerra.

O grande Gide acabou excomungado
Da Santa Chiesa que usa a culpa do pecado,
Como mais tarde, o jovem Lorca foi baleado
Feito bicho em algum mato andaluz:

Pelo amor que uniu Pátroclo a Aquiles,
Que inspirou aos artistas e poetas,
Desde muito antes de Alá e Maomé,
Antes mesmo da Bíblia e de Jesus,

Desde a sagrada descendência dos bonobos,
Os avós dos avós dos avós de todos,
Que, ao amarem, distinguiram-se dos lobos
E enraizaram este amor dentro de nós...







sexta-feira, 10 de junho de 2016

olhos de menino

O coração deixou guardado
Em algum quarto escuro do passado
Aqueles olhos tristes de menino
Que derramavam águas doutros tempos.

Que outros tempos? Um garoto apenas
Conhece alguns passos, poucas penas.
Mas eram avatares que brotavam
Dos olhos do menino. Eram eras.

Berberes nos desertos e mesquitas.
Jerusalém de Ouro. Antiga Atenas,
Noturnas bebedeiras pela França.

Pintores espanhóis. Barco de escravos.
Nos olhos do menino em Porto Alegre

A História revivia suas lembranças.