quinta-feira, 30 de julho de 2020

Degustação (do que houver)

Aprecio o conteúdo
Do cálice: aceito-o
E me calo. Não afasto
O que a vida oferece.

Degusto os momentos
Gole a gole, a língua
Do animal satisfeito 
Lambe os lábios,

O homem
Acata o que há
E lhe apetece
Apreciá-lo
Como é, 

E como ele é,
Apreciar-se.






quarta-feira, 29 de julho de 2020

silêncio sobre a Verdade

" Não se deve confundir a Verdade com a opinião da Maioria" Jean Cocteau

Mas o que é a Verdade, com letra maiúscula? A presunção dos intelectuais, dos crentes religiosos e fanáticos ideológicos, é que os sistemas que eles adotam seja a Verdade, digna de fé e, portanto, de Poder. Este tem sido o grande drama da estupidez humana, tanto dos homens letrados como dos incultos, a nossa história fratricida, eventualmente genocida: a luta em nome da Verdade.

Uma passagem do Evangelho, que leva a refletir sobre isto é aquela em que Pontius Pilate, talvez testando os poderes do "suposto Messias“, ou por sincera curiosidade, perguntou a Jesus: “o que é a Verdade?” E Jesus, baixando a cabeça, calou-se. A melhor resposta possível.

Há a Verdade sobre algum tema? Milênios depois de Jesus, vemos que há verdades, dados que podem ser verdadeiros se nossa pergunta é a certa e nossos métodos de pesquisa, adequados; mas mesmo esta verdade, obtida com esforço a partir das aparências, sofre a ação do tempo.
A opinião tomada como Verdade, porém, é o pior, o mais imperfeito e fútil dos métodos, para obter algum conhecimento sobre um fato, pessoa ou fenômeno.

A luta das opiniões que divide um país quase sempre é a linguagem falada no reino obtuso da Verdade.











terça-feira, 28 de julho de 2020

sabe-se lá

Assim que surgiste,
Vindo do sul ao sul,
Foste o mate amargo, amor agreste
Que me trouxeram o que tu trouxeste:

A Vida como ela é, sem ideal, definição exata, fé,
Ou, por que não, a pura fé na vida fruída sem datas
Passadas ou futuras: vida real pré-(in)definida.

Eu já te vira dias antes em sonho: tu chegaras,
E, juntos, viajávamos, desde quando? 
De onde? 

Sabe-se lá.


Mas o lugar onde estaríamos
Neste amanhã do ontem, 
A casa de hoje, a vida já montara.

O sonho me contava
Da tua chegada:

Sem promessas, ou discursos,
A vida, senhora dos mistérios,
Empurrou-nos ao que há.

sábado, 11 de julho de 2020

As fases de Kluber-Ross e a pandemia no Brasil

Analisando os posts que recebo do Brasil sobre o COVID 19 ao longo do tempo, lembrei das fases de adaptação às más notícias estruturadas pela Dra. Elisabeth Klubler-Ross.
A maior parte são fases claramente neuróticas como a negação ("no Brasil não", ou "o clima quente nos protege" ou "isto não nos diz respeito", ou "não é assim como dizem"...), a raiva ("não aceito!", "por que isto?"), a barganha ("poderoso Deus, se tu me livrares disto vou construir uma Igreja em teu louvor!" ou "se me livras disto serei outro!", ou ainda "como eu faço o Bem, estou a salvo").
A resolução emocional destas fases neuróticas constitui a aceitação, um estado em que, apesar de descontentes, nos calamos e vivemos o que temos, seguindo adiante, cuidando-nos, sem tanto escândalo. Um lúcido "eu aceito o cálice, faça-se a tua vontade".
Mas a aceitação não é para todos. Há quem viva com raiva, há quem transforme sua vida num objeto de barganha como fazem os fanáticos religiosos, e há os que habitam o reino da negação.
Pois os brasileiros são os reis da negação. Vivem a inventar a partir do nada, uma realidade falsa para manter na cara um esgar que, aos que não conhecem o Brasil, parece um inalterável sorriso de vitória. Um samba para "enaltecer a favela".
Conheci amigos que morreram de câncer imaginando que prece ou canções de roda seriam sua cura e não aceitaram tratamentos adequados. Mães que perderam seus bebês por buscarem métodos "humanizados" de parto. Gente que bebia a própria urina para tratar-se de SIDA (seguindo o terapeuta, ou doido do momento). Vi de tudo no meu país ao longo dos anos. 

Nestes dias, há brasileiros que usam ervas, chás, óleos, água dinamizada, pílulas que previnem e tratam COVID, inventam curas, para evitar desconfortos como usar uma máscara,  respeitar um distanciamento físico, ficar em casa.

No contexto desta pandemia ainda sem tratamentos eficazes ou vacina disponível, vamos aos poucos observando os resultados esperados da negação.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

sobre os pobres brasileiros aprendendo com a classe média do primeiro mundo

Confesso que vivi uma experiência iluminadora com um visitante do Primeiro Mundo. E não morro sem narrar o "causo", como diz o gaucho.

Foi durante um dos Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre, aqueles espetáculos midiáticos que o PT e as esquerdas latino-americanas ofereciam aos europeus de Esquerda. Havia muita cannabis na orla do Guaíba, os estudantes universitários lavavam seus cérebros em discursos idiotas e aproveitavam as horas livres para visitar a miséria dos "sem terra", queimar lavouras produtivas e mesmo laboratórios da UFRGS prestigiados mundialmente por produzirem conhecimento em genética das espécies vegetais. Ah! e rolava um intercâmbio sexual à gauche que divertia ainda mais a garotada.

Eu confesso que era ainda um pouco ingênuo, apesar das leituras que fazia sobre filosofia política.
Pois, repito, tive uma iluminação com base numa situação única: recebemos em nossa casa um visitante ilustre, um ativista francês, idealista radical, cujo nome não citarei. Filho de um importante médico de Lyon, membro da alta burguesia francesa. Como naqueles fóruns a hospedagem era por conta da população, uma família francófila pediu-nos para recebê-lo. Aceitamos. E aí começa a iluminação literalmente "pé-no-chão".

Chegou o rapaz, um jovem bonito apesar das roupas e do cabelo. Entrou em nossa casa com um olhar, digamos, surpreso de encontrar confortos "de nível europeu" em meio ao país selvagem da Amazônia e do Carnaval. Sentou-se numa cadeira na ampla cozinha e, de repente, nossa cachorrinha Tinta, uma cocker spaniel que tinha uma infecção crônica nas orelhas veio me fazer carinho. Esta infecção nas orelhas dava-me um trabalho imenso, incluindo dois curativos diários, limpeza, etc...era uma alegria da vida cuidar minha amada cocker preta. Pois eu comecei a sentir um cheiro tão desagradável naquela cozinha que acusei minha Tinta de ser a fonte...mas o fedor não vinha da minha filhota. Dei-me conta, surpreso, de que o nobre idealista francês, empestava minha  cozinha com odores, não da falta de uns banhos nos últimos dias devido à viagem. Era um odor indescritível de semanas sem banho. Em pleno verão porto-alegrense, que obriga a gauchada, ricos e pobres, a pelo menos um banho além do matinal, diariamente. Um hábito herdado dos índios, banhos e banhos, nem que seja com água de mangueira.

Conversando com o representante do Primeiro Mundo, fiz a besteira de falar, como um perfeito idiota terceiro-mundista, de Política e fui por ele devidamente esclarecido que "em se tratando da difusão dos ideais revolucionários à gauche, e só à gauche, tudo vale, inclusive utilizar táticas nazistas". Visitou, ao sair de Porto Alegre, a Venezuela de Chaves e a Argentina, sabe-se lá para quê. Havia uns padres franceses e belgas, representantes de instituições europeias, envolvidos com os tais fóruns, além dos ecologistas incendiários.

Contudo, a situação mais divertida desta visita exótica foi o contato da nossa querida doméstica na época, vou chamá-la de G.,  uma moça de família muito pobre, moradora de uma destas favelas da zona Norte de Porto Alegre, que criava seus dois filhos e os mantinha super bem cuidados, e muito estudiosos numa escola pública. Trabalhou em nossa  casa por uns 20 anos...no dia em que veio limpar a casa defrontou-se com o visitante que, nas semanas em que foi nosso hóspede, tomou apenas um banho e, só então, trocou as roupas.
Em um dia anterior ao raríssimo banho, G. me disse, com um olhar debochado que usava muito frequentemente:

- Doutor Jorge, me desculpe lhe falar sobre seu hóspede, mas no chão onde este francês pisa fica mau cheiro. Sou obrigada a ir aos lugares depois que ele sai, com um pano com lixívia perfumada, para que não empeste a casa.

E, diante da gargalhada que dei, rematou com uma frase muito brasileira:

-"Eu sou pobre, mas eu sou limpinha".

Anos depois, quando a encontrei na rua, lembramos disso, com muitos risos.

Esta foi minha iluminação sobre os pobres brasileiros, entre os quais eu e G. nos incluímos, e um nobre idealista à gauche, representante da alta burguesia do primeiro mundo.