domingo, 6 de junho de 2021

Doutor, cite apenas o que leu.




Ética e Estética, assim como Política e a Metafîsica, compõem a Filosofia,  a qual nos obriga a estas frases cheias de maiúsculas, dúvidas e raras certezas. Viva a Ciência. 

Mas há algumas situações que envolvem ética e estética, mexem com a política e podem ter desfechos controlados pelas regras, segundo alguns menos nobres, da Lei. Como o uso de citações de textos, algo que costuma parecer ético, elegante, é o que mais fazem alguns escritores, ideólogos e políticos, e pode gerar processos jurídicos devido à questão da autoria.

Coisa que se vê não só nas redes sociais, mas em textos de alunos de faculdade e mesmo em conversas com pessoas pretensamente cultas, uma verdadeira praga do discurso, é a citação de autores não lidos.  Uma coisa é alguém envolvido seriamente com reflexões sobre um tema que domina, deseja dominar, ou ama, outra a tentativa de convencimento usada pelo inculto orador, o pouco ilustrado aluno, o ardoroso torcedor de ideologia ou partido, ou ainda a lábia do político sociopata ou malandro. O jogo de citações como holofote para o esperto. 

Lá pelos 18 anos me envolvi com Filosofia e percebi, ao me aprofundar, que ela é constituída em grande parte de ilações sem adequada base factual, erros de interpretação da realidade por uso de método pouco acurado, muito discurso e lixo da erudição vazia. É das ilações filosóficas a partir de dados científicos mal interpretados que se geraram, por exemplo, o movimento Eugênico, e outras enfermidades culturais que  deram poder aos totalitarismos do início do século XX.

Mas Kant me pareceu imenso, não apenas no sentido de extenso, mas de grandioso. Dei-me conta de que conhecê-lo seria a tarefa de uma vida. Aprofundar-se em Kant equivaleria para mim a tornar-se um “profissional do Pensamento”. E não me aventurei, pois além de não ter família rica que sustentasse meu gozo intelectual, eu queria fazer algo prático para ajudar pessoas, como cuidar de bebês. Refleti que, no meu caso, e dos meus colegas, trabalhar com o tratamento de doenças infantis me faria mais útil. E não me enganei. 

Filosofia é aquela prima pobre e culta da Literatura, que tenta converter a irmã Poesia a  uma atitude mental mais lúcida, e desdenha a Música (exceto no “caso” Nietzsche-Wagner, que acabou em baixaria). Pois a Filosofia tem entre seus para-efeitos levar os homens a abusar das citações. Citações que empestam os discursos de políticos ignóbeis, os textos- especialmente os mais estúpidos e mal escritos- e a lábia dos manipuladores. 

Citar pode ser um tipo de técnica que empodera ao que é vazio ou absurdo. As redes sociais são o reino das citações.

Quando leio o texto de alguém citando Immanuel Kant, ou opinião sobre algum tema citando Freud, Jung, sei lá mais quem, eu não fico impressionado, fico com o pé atrás me perguntando: será que leu? Que compreendeu? Que refletiu sobre? Será que criticou baseando-se em algum tipo de realidade seja pessoal, histórica, ou pelo menos, evidência factual? 

Por exemplo, usar citações "filosóficas" como o slogan nazi da "vida indigna de ser vivida" para defender a eutanásia e o infantícidio eugênico setenta anos apenas após o Nazismo, em nome de um progressismo nascido em países no norte da Europa e não integrar estes dados, para mim, é um tipo de dissociação cognitiva, ou estupidez. Hoje em dia,  na Alemanha, defende-se o respeito aos embriões de galinha, por serem seres já senscientes, enquanto  embriões e mesmo fetos humanos, são destruídos intra-útero sem qualquer preocupação ético-moral, usando como justificativa a "autonomia da mulher". E simula-se uma regulação "ética" baseada nas etapas de desenvolvimento como se isto desculpasse a eliminação de um ser-humano. Desde a liberação do aborto nos Estados Unidos, cerca de 40 milhões de seres humanos foram mortos intra-útero, sem piedade. Poderia ser a população inteira de um país.

Então, em nome do bom gosto estético, não cite Kant como se o conhecesse. Você pode passar por arrogante e tolo, o que é deselegante do ponto de vista estético como móveis dourados comprados em lojinha chinesa para parecer rico. Ou tetas enormes, preenchimentos labiais, horrores destes tempos para simular beleza. Se conhece, cite sim, e ensine. E em nome da Ética, não imagine que citar um famoso A ou B torne um crime justificável.

Mas vamos dizer que, tendo que preencher uma imensa página em branco com esparsas leituras e raras reflexões, se citar, não esqueça, pelo menos, de por o texto entre aspas, escrevendo ao final, entre parênteses, umas simples palavrinhas, tais como o nome do autor, neste caso, Immanuel Kant, nome da obra, no capítulo tal, parágrafo tal, nome da editora, ano da publicação e páginas inicial e final). 

Jamais, repito, jamais torne-se “o criador” de um texto de Kant, ou de algum papa, ou guru, ou de algum colega médico desconhecido da Tanzânia, ou ainda de um poeta. 

Não se adone do que não lhe pertence. A questão neste caso, não é mais Estética, mas sim envolve deveres e princípios éticos, beirando as regras legais, jurídicas relativas ao plágio.

Há poetas brasileiros que fizeram fortuna “adaptando”, sem citar,  textos e frases de outros autores e justificaram-se por isto ao criar um “Movimento”. Coisas de “gênios tupiniquins” antropofágicos.

Para terminar, voltando ao início e, por que não, me desdizendo, Estética, Ética, Política, mesmo Metafísica, merecem ser abordadas e pensadas com seriedade, amor desinteressado, e aprofundamento. Valores atemporais. Talvez estes valores sejam os critérios diferenciais entre a mediocridade e a sabedoria pessoal, entre erudição qualificada e arrogância e, por isto, constituam as bases da Civilização. 

Filosofia verdadeira é a companheira ideal da Ciência bem feita. E da Vida bem vivida. 


(Estar em Coimbra me faz bem...).