quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

As linguarudas

E a gente vai pensando, aprendendo e mudando. Eu era o guri mais extrovertido e ingênuo deste mundo, como muitos de vocês. Dava-me com todos, era o amigão de todos, o eterno confiante. Mas ao longo dos anos, identifiquei um traço de personalidade em algumas pessoas que foi me tornando um tanto "bicho arisco". Chamavam antigamente as pessoas com este tipo de personalidade, pelo menos em Porto Alegre, de "linguarudas", adjetivo ou substantivo para designar o atento observador e crítico da vida alheia. Este detalhe é importante: especificamente da vida alheia, pois o linguarudo ou linguaruda (hoje sei que a doença afeta ambos os sexos) não consegue ver um palmo diante do nariz sobre sua "própria casa". O sinônimo hoje seria fofoqueiro. 

Lembro de uma "linguaruda", que passeava todo o dia pela rua Rodolfo Gomes, no Menino Deus. Chamava-se Dona Mosmé. Que Deus a tenha. Minha mãe tinha a paciência de ouví-la. Chegava de mansinho, muito suave e sorridente, e se aproximava da Dona Rosa (la mamma mia) e passava a falar baixinho, como que para ocultar as novidades que trazia sobre a vida de alguns vizinhos, como se não fosse repassar adiante o relatório para a vizinhança toda. Ela era uma "fofoqueira full time". Não fazia nada mais que fosse. Pois Dona Mosmé, ia falando e puxando uns fios do casaco da minha mãe, ou limpando o ombro da sua paciente ouvinte com o dedinho indicador, trazendo à tona alguma mazela oculta da vizinhança: "Rooosa, tu sabes que a desquitada está de namorado novo? sabes que o seu Manoel anda pelos bares da Azenha? Que o Chiquinho é...?...etc., etc., etc.). Nunca ouvi minha mãe passar as observações atentas da Dona Mosmé (espero, mas eu era pequeno...) 

Uma realidade que a vida ensina é que para cada um de nós há sempre um cortejo de linguarudos, estes intermediários da desinformação, ou da informação transmitida fora do seu contexto real (como sempre o é um dado que diz respeito à experiência -intransferível- de outra pessoa). 

Ao longo da vida, tenho sido, de algum modo, vítima de linguarudos, que projetam seus defeitos mais secretos nesta pessoa aqui, cuja vida não lhes diz qualquer respeito. E é interessante que a fofoca sobre nós mesmos, as vítimas, sempre nos chega aos ouvidos, ou aos olhos, por informantes atacados pelas Mosmés desta vida. Porque, como li em algum lugar:

"Quem fala mal da vida dos outros para ti, fala mal da tua vida para os outros". 

Passei a deletar pessoas assim, e a ir com calma nas novas relações, buscando identificar o tal traço psicológico nos viventes, um tipo de ansiedade invasiva...Cheguei a dizer, numa ocasião, a algumas colegas que vieram me repassar más histórias da vida alheia: "-olhem, vocês estão perdendo tempo comigo. Ninguém nunca saberá do que vocês me contam. Eu não tenho o mínimo interesse. Nisto, sou um inútil assumido." Vi seus olhares de desapontamento.  

Este é um dos meus defeitos: sou (não apenas) metaforicamente um surdo para os juízes da vida alheia. Graças ao bom Deus.



quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Um prometeu diverso

Deixo meu coração depositado

Sobre o altar de algum deus

Ainda e sempre amado.


O que me fala nos silêncios,

Aconchega-me em seu berço,

E me diz: sou o amigo.

 

Deus que desconhece crenças,

Religiões, ideologias,

Deus a brotar em minha alma

Dia a dia.


E assim é desde menino:

Este templo interno e vivo

Onde me surgem os sonhos

E eu desperto renascido.



Autoria

 Ninguém te dirá se tua Arte

Vale tanto, ou menos que isto, ou mais.


Tua Arte é da tua vida, 

A escrita tua, a tua voz própria,

O trêmulo ou seguro traço

Só traçável por tua mão, 

Com gesto do teu braço.


Autêntico como um cheiro, 

Ou forma de falar, olhar único

De esgueira. 


Crias de ti mesmo uma bandeira.


Andas só, em tua sabida rua,

Expões tua história em arte e verso,

A imperfeita anatomia da tua alma nua,

Astronomia do teu (uni)verso.