sábado, 18 de novembro de 2023

Oito anos de Portugal, Covilhã


Dei-me conta, fazendo minha (sagrada) caminhada matinal, que exatamente nesta data há oito anos atrás eu chegava à Covilhã, no centro de Portugal a convite da Universidade da Beira Interior - UBI. Aposentei-me por tempo de contribuição no Brasil, e resolvi aventurar. Pourquoi pas? O Gustavo, que havia vivido em outros países, incluindo o Brasil, me dizia que eu era de um lugar só, que havia nascido e vivido toda a vida em Porto Alegre, embora tivesse viajado para boa parte da Europa e América Latina. Eu, como bom canceriano, era sim homem do Menino Deus e do Bonfim e também tinha minhas dúvidas. Em Porto Alegre, morando no Bonfim há décadas, tinha meus parques, "meu clube com minhas piscinas, meus restaurantes" (ou seja, um útero urbano), além da convivência deliciosa com amigos e familiares, em jantares e almoços memoráveis. 

Bem, a verdade é que nos últimos anos, Porto Alegre desgovernou em termos de violência, eu mesmo fui agredido e roubado. O Bonfim (algo inacreditável para mim) foi palco de assaltos armados, etc...tudo o que empesta e impossibilita uma vida tranquila em qualquer grande cidade brasileira. 

Mesmo assim, tinha além de dúvidas, 59 anos bem vividos. Pensava em ir para o Uruguai, onde temos uma casa na região de Colonia. Amo o Uruguai, amo a região de Colonia. Pensei em montar meu ateliê de Pintura e Poesia, dedicar meus anos futuros a ler filosofia, e caminhar pelas ruas seguras (naquela época) de Carmelo...O Gustavo, lúcido, porém, me disse: -"tu tens uma atividade intelectual continuada na área da Pesquisa Médica. Em seis meses, o Portoalegrende aí vai estar deprimido."

Pois bem, nos acertamos: vamos tentar Portugal, terra dos meus avós paternos, cujo sotaque eu trazia nas memórias da infância e da adolescência, assim como o gosto por comer filhozes, bacalhau, beber bom vinho e ler Fernando Pessoa, Eça, et caterva…

Antes disso, nos reunimos com o amigo querido Fernando Baril para um jantar no Barranco. Contei a ele minhas dúvidas: o pequeno ateliê de Pintura em Colonia, ou continuar no batente em Portugal. Ele me disse, com aquele olhar maroto que tinha: -"talento tu sabes que tens, e eu reconheço, mas qual teu curriculum vitae em Pintura? Achas que vais te fechar num ateliê a pintar e ficar famoso em Colonia de Sacramento? Se optares por isto, eu estarei contigo e te darei toda a força, mas pensa bem". Foi uma opinião verdadeira e bem vinda como a picanha que comíamos. 

Então, montei minha saída, enviei currículo de médico pesquisador para a Universidade onde trabalho porque vi que dispunha de um baita labotarório onde eu podia seguir com meus projetos, o CICS-UBI - Health Sciences Research Centre. Além de ensinar, como ensinava na UFRGS, desta vez integralmente, na Graduação e Pós-Graduação. Recebi resposta depois de duas semanas: sim, temos interesse em que venha.  

Gustavo e eu pensávamos: como será morar numa "pequena" cidade (pelos moldes brasileiros) de 60 mil habitantes no interior do país? Tínhamos dúvida se nos adaptaríamos. 

Houve um evento internacional sobre Colestase Neonatal, com presença de colegas de todo o Brasil e de outros países, em minha homenagem...e um jantar inesquecível na residência da querida mestra (para toda a vida) Themis Silveira. Joias guardadas no coração.

Pois viemos, inclusive o Paquito, que viajou umas 20 horas na sua caixinha. Longas histórias.

Aqui chegamos e nos encantamos com o tal "interior de Portugal". Interior que nos coloca no centro de infinidade de rotas por estradas perfeitas, circulando a Lisboa, Porto, Coimbra, de imensos tesouros culturais. Menos de duas horas a Salamanca, quatro de Madrid. Visitas recorrentes à Galícia, Astúrias, Cantábria...Paris e todas as cidades europeias a preços baixíssimos. E as milhares de pequenas cidades, aldeias e vilas de Portugal e fronteiras de Espanha, cada uma mais maravilhosa e surpreendente que as outras...E num ambiente de segurança pública sem defeitos...Senti como se tivesse tirado um peso de insegurança das minhas costas. Cuidados de Saúde que nunca imaginei: um Ambulatório Hospitalar na frente da casa, onde são realizados exames sofisticadíssimos solicitados por nosso "médico de família". Vacinação planejada pelo Serviço Nacional de Saúde, que nos envia datas para todas as vacinas, incluindo a Moderna que fiz ontem na farmácia ao lado de casa, obviamente gratuita.  E piscinas, e SPAs, e lindos parques e uma boa casa com amplas vistas.

Enfim, a "pequena" Covilhã revelou-se uma metrópole linda e espetacular para se viver, cercada por campos deslumbrantes.

Portugal, a Europa, foram maternais e gentis conosco, e Gustavo e eu recebemos a Cidadania Portuguesa em menos de 6 meses. 

Continuo minhas pesquisas, enquanto houver desafios.

Mas de uma coisa não abro mão: vou montar meu pequeno ateliê de pintura e poesia, desta vez aqui pela Península Ibérica. Aguardem!


Obrigado Covilhã, obrigado Portugal, obrigado União Europeia! O Canceriano aqui reencontrou seu berço e está feliz.

Única manhã

Eu me levo pela mão nesta manhã

Porque é hora de me deixar levar

Sem esperanças, 

E conhecer 

O que me desconheço, 

Num brinquedo de criança.


Sem escavar teorias ter respostas,

Sem ideologias ver o Sentido

Que me conduz sempre que brota

Novo verso ao ser tecido.


Foram-se as mágoas e os medos,

Rixas internas e externas,

Que me cegavam para o enredo

De verdades óbvias e mais ternas.


Calam-se os livros, os filósofos,

Os gurus, calam-se os ídolos,

Os curas, os papas, os imãs,

Calam-se os políticos e ideólogos,

Cultos e incultos, calam-se todos,


Na minha única manhã.