domingo, 26 de fevereiro de 2012

Humano, demasiado humano...


Eu te vi bicho lanhado,
Fruta com casca amassada,
Vi-te humana por demais.
Eu te vi alienada,
Desfeito o que foi no passado
Brilho, Gênio, Mente em paz.

Eu te vi com a alma partida
Por resvalar na descida
Da grande lomba da vida
Como viver a todos faz.

(O Tempo a todos o faz!)

Mas ouve: tu és um anjo
Deste mundo, e de algum outro
E tua doce voz inda ecoa
Bem lá no fundo da minha.

Confia que tua Alma boa
De algo melhor se avizinha.

Todos temos a alma partida
Ao resvalar na descida
Da grande lomba da vida:

Há que aceitar-se tombar.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O cão perdido

Quando te perdes de ti mesmo
Segues na vida com olhar esgazeado,
Buscando, apressado, o Lar,
A Pátria, Ideologia ou Sentido.

Tentas todos os prazeres
Entre gozos repetidos,
Se te perdes de ti mesmo,
Para afirmar que inda estás vivo.

És o cão que se perdeu
Pelas ruas da cidade,
A buscar, ensandecido,
A casa, o dono, o colo amigo,
Ao te perderes de ti mesmo.


Vieux Port de Marseille (poema de viagem 3)


Lorsque je me demande si la France est encore belle
Dabord reste le doute: la France, qui est Elle?

Je marche dans les rues du Vieux Port de Marseille
Et maperçois que la foule suive sans nom ou patrie,
En parlant des langues de partout au monde,
Ils bavardent, ils rient, ils chantent, ils crient.

Par les rues du Vieux Port je me sens perdu
Dans la vie comme elle est, sans mystére déguisée.
La vie qui est libre, riche et pauvre, conquise
Pour la foule de cette rue qui a la voix de la vie...

Mais un pain aux olives ramène le souvenir
Du parfum dun ancien bois oublié.
Des siècles de culture peuvent être perçus
Dans le goût dun gâteau ou dans le verre dun bon vin.

La France ne rêve plus de Fraternité,
Elle se donne aux affaires que être frère nous impose:
Reconnaître en sois même à ce qui en est le divers,
Permettre, à sois même, de ressentir à linverse.



sábado, 11 de fevereiro de 2012

Filho de Chronos (poema de viagem 2)


O Tempo não nos poupa de mover-se
Na direção adiante enorme e escura,
E vai mudando tudo, devorando
A vida, a cara, a vila, a alma, os tempos.

O que se foi se foi, mas segue, ao ir-se,
Gravada em nós numa imprecisa tela
A imagem fixa de qualquer momento
Em cores débeis, que algum vento esgarça.

Alguma forma de adentrar-se haverá
Neste baú imenso e vivo do que fomos
De modo a reviver mundos e eras?

Ou só nos resta este absoluto agora
Que é olhar de dentro o mundo que está fora
E ao qual, depressa, o Tempo desconjunta?








segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

No atelier de Paul Cézanne


Onde a cor se expande e toma a forma, a linha esmaece.

Para quê a montanha dura e as árvores, se
Delas fluiam tons de siena, ocre, e alguns azuis que só tu,
Paul Cézanne, compreendias?
Ah! hoje eu sei: o azul das sombras, o azul das distâncias de Da Vinci,
O quase simbólico azul que faz profundidades
Veio à frente como pura cor, 
Desfez-se de ser sombra
E as veladuras romperam-se em tons
De claridade, liberando a abstração:
Terias disto a noção, Paul Cézanne?
Saberias que as tuas cores livres despertariam
Uma arte em que a montanha, as árvores e o vale
Seriam dispensáveis,
Tornando-se atributos do poder da cor?

Foi a Arte que nos disse
Por tuas mãos, pintor.