quinta-feira, 25 de agosto de 2022

A Obra

A água mansamente vai fluída.  

Do largo rio a pele se arrepia

E chilreios soam, suaves pios

De alguma passarada escondida.


A brisa é a cortina a mover-se,

O coração a manter-se é a vida

E a alma emociona-se ao ver-se

Finalmente fonte despoluída.


Tudo valeu, o veneno consumido

Tornou-se o bálsamo da cura,

Tesão gerou amor e sua memória,

   

Lucidez destilou-se da loucura,

A Obra prometida veio à História

E minha sede bebe a água pura.


quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Mirada de Andalucía


Memórias ainda vivas. Lembro de minha irmã Carmen Vives chegando da escola, o Instituto de Educação General Flores da Cunha, com camisa branca e vestido azul marinho, a me abraçar, pentear, a me cuidar. Uma segunda mãe que a vida me deu. Ensinava-me o hino da Escola: "...o IE a rebrilhar". Contava as histórias da escola: uma colega que cantava no Programa do Guri, TV Piratini, e era ofendida pelas demais por ser "namoradeira" (coisas do início dos anos 60). No aniversário desta colega, nenhuma das convidadas apareceu. Algum tempo depois a garota que sofria bullying encontrou com minha mana no ônibus 78 que ia ao Menino Deus, onde morávamos, e disse que, além de aprender tricô estava indo para o Rio de Janeiro, ou São Paulo, pois tinha sido convidada a gravar um disco. O nome da guria era Elis Regina. Pelo que lembro da Elis, ela nunca perdoou aqueles maus-tratos portoalegrenses. Mas o tema não é a cantora, mas a amiga que a ouvia e se interessava por suas confissões. Por este tempo, Carmen já era uma jovem "morocha de ojos verdes". Minha irmã foi a única mulher que conheço (corrijam-me!) que era loira e pintava os cabelos de preto. Para ser uma "morena de olhos verdes". Minha irmã, aos meus olhos de menino era uma espanhola. O nome "Carmen com n" foi coisa de nosso pai, por que lhe agradava a grafia em espanhol. Mas Carmen, além do nome, tinha algo de espanhol. Uma força, uma firmeza, uma dignidade únicas. Um olhar forte, que hoje eu chamaria "mirada de Andalucía".
Logo que pôde, conseguiu um emprego e trabalhava para ajudar à família. Fez carreira, com inteligência e brilho, como Secretária da direção do Hospital Ernesto Dornelles. Lembro que os primeiros salários que recebeu serviram para me comprar uns presentes inesquecíveis: um traje azul marinho com um Chevrolet bordado num dos bolsos (lindo), um casaco de couro para o inverno (verde militar com estrias em siena) tão elegante que eu usaria hoje, e uma coleção das obras completas do Érico Veríssimo. Li estes livros ao longo da minha infância e creio que fui influenciado em vários aspectos por estas leituras. Gracias, mana!
Minha mana espanhola tinha uma personalidade intensa e bem estruturada desde menina. E esta morena de olhos verdes, charmosa, bem vestida, enlouquecia pretendentes (obviamente sob rígido controle do pai e da mãe). Choviam pretendentes que ela ia descartando independente de dinheiro, de belezas, de automóveis e futilidades afins. Carmen sabia o que queria. Pois vi minha irmã se encantar, casar, formar família, com um homem que lhe faz feliz até hoje, e lhe deu um sobrenome espanhol. Construíram uma família maravilhosa e Gilberto Vives, meu cunhado, aprendeu a respeitar os humores e vontades de "doña Carmen Vives". Se algo importante não lhe agradava, a mana criava um clima poderoso de silêncio, um distanciamento mental firme que exigia um pedido de desculpa para que o coração magnífico, doce e gentil de minha irmã voltasse a florescer na vida em comum. Minha irmã, não se dava à deselegância de brigar, afastava-se. Aprendi isto com ela, como tantas outras coisas. Minha irmã venceu imensas batalhas para criar os filhos. Ajudou nossa mãe. E uma das minhas alegrias é ver a felicidade dos Vives. Meus sobrinhos e sobrinhas do coração, dignos, esforçados, honestos. Coisa dos Vives, Carmen e Gilberto. E ver minha irmã aos 80 anos ainda jovem, fazendo viagens pelo Brasil e pelo mundo (nos visitou em Portugal), sorridente, inteligente, como sempre bonita e, finalmente, loira...😍
Querida mana, feliz aniversário! Saúde, felicidade, força sempre. E que a festa que preparam para ti seja de arromba! Dança um bolero por mim. Vou te visitar logo que possa.
Beijo do teu mano. 

domingo, 21 de agosto de 2022

Demagogos

 

Os demagogos surgem dos esgotos
De escusos projetos e inveja.
Como se fosse pelo bem dos outros
Tecem as teias dos próprios desejos.

Destroem pátrias, geram miseráveis,
Dividem povos a implantar cizânia,
Berrando hinos pelas igualdades
Conduzem tolos numa “nau de insanos”.

Os demagogos vomitam palavras,
E mancham ideais com os dejetos
De sua medíocre sanha de poder.

Pobre é o povo que lhe cai nas garras:
Por liberdade, prendem-no a amarras,
Por igualdade, levam-no a morrer.



terça-feira, 16 de agosto de 2022

Rosa

 Eu te via, linda figura, alma ampla,

Joia de outras terras, outros tempos,

Regando os brotos que cresciam no jardim:

Os teus amores, com amores para mim.


Teus olhos de um azul mediterrâneo,

Recordavam paisagens de altos montes

Enquanto cozinhavas horizontes

Aos teus amores, com sabores para mim.


E com as histórias da vida que sofreste,

Teceste os bordados de um contexto

A atapetar os vazios do meu caminho.


E foi tanto teu amor, tão liberado,

Que esta cria que educaste no passado

Pode voar ao seu melhor fora do ninho.






segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Sonho do que houver

Não serei poeta de dramalhões românticos, 
Maldizendo a vida ou amor desfeito, 
Planeando a destruição do Mal "dos outros", 
Buscando a morte como cura dos defeitos. 

 Não serei herói romântico à francesa, 
Desses que, morando em mansões, 
Destruiriam a moral burguesa, 
A morrer jovens e loucos com milhões. 

 Não usarei versos em riste, tão comuns, 
Para acusar os podres deste mundo, 
Pois quanto aos podres já bastam as TVs. 

 Farei poemas meus desde o que sou, 
Sem poetar como nos manda a moda, 
Meus versos serão os sonhos do que houver.