quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Martinho da Arcada Café

Esta vida não é tudo, 
Nem é nada,
É estar sentado ao sol
Perto do Tejo
No Martinho da Arcada.

Esta vida é o beijo
Do Sol em mim.
Viver é o meu beijo.

Ser mais do que se é,
Como uma fé no que se pode
Ainda sem ser, 
Isto é viver.

É sonhar que se pode estar
Sob o sol no Martinho da Arcada
Bebendo café
Numa manhã de quarta-feira,
E o beber.


Viver é sim ousar
O que se quer,
Ou então 
Uma vida
Não será bem
O que é
Viver.



terça-feira, 28 de novembro de 2017

O mamilo e a úlcera

Os alunos se divertem com uma história que conto.

Eu me interesso muito pela integração do sistema digestivo e o sistema nervoso entérico que faz haver um “cérebro visceral” independente do sistema nervoso central. Quem me despertou este interesse foi o Prof. Milton Abramovich da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, um dos primeiros a dar-se conta da importância das endorfinas como neurotransmissores do sistema digestivo.
Mas a meleca ideológica ensinou muita bobagem, mesmo na Fisiologia.

Por exemplo, no Mestrado de Gastroenterologia estudávamos, entre outros, o Bockus, um enorme Compêndio de 10 volumes. Um dos livros chamava-se Psicodinâmica e Função Digestiva, e aí havia aquele clima ideológico agradável aos teóricos intelectuais com vies humanista. Eu me encaixo um pouco nisto. Pois, neste volume, um dos capítulos denominava-se "A Psicanálise da Doença Ulcerosa Péptica". 
O capítulo era precedido por uma citação lapidar, que caracteriza aquela década de 80:

“A úlcera péptica é o mamilo materno invertido”.

Poesia primorosa! Psicanálise de primeira, para quem chegou a conhecer e sobreviveu com alguma sanidade a isso.

O capítulo deve ter sido eliminado com a descoberta do Helycobacter pilorii
E o autor da frase deve corar de vergonha na tumba.

Os alunos riem muito. Eu também.








sexta-feira, 24 de novembro de 2017

paraíso

Onde está o Paraíso?
O que o Paraíso é?

Algum lugar lá no alto,
Conquistado pela fé?

Uma vida em sacrifício,
Existir em marcha a ré?

Onde está o Paraíso?
O Paraíso o que é?

Um harém cheio de virgens,
Um céu de mártires santos?

O pico de uma montanha
Atingido pelo pranto?

Onde está o Paraíso?

Ele está em todo canto.

Ele se chama Presente
Mesmo em tempo de dor,
Quando tu sofres contente
Por estar com teu amor.

Quando tu abres os olhos
No despertar de outro dia,

Quando escreves poesia
Quando fazes tua parte,
Seja em Ciência, ou na arte,
Seja na lida comum,
Quando te dás para a vida
Pela vida de qualquer um.

Ele está também na noite
Quando tu fechas os olhos
E entregas o teu corpo
Como entregas tua alma,
E percebes que há um templo
De silêncio que te habita
Onde permanece guardado
O valor de cada ação
Na biblioteca infinita
Das joias do coração

Em que tudo vale e brilha.

O paraíso é a calma
Da consciência tranquila.



l'esprit toujours jeune, aquarela

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Incógnitas

Meu olhar espia o que espreita
Dalém do horizonte percebido.
O coração, aos pulos, me palpita:
Qual o novo rumo? Indefinido.

Que porto me aguarda como em parto,
Que promessa me aponta o seu dedo,
Que espera me impede de estar farto,
Qual desejo se disfarça de ser medo?

Só se sabe o que será seguindo adiante,
Ou em sonhos, os sussurros do futuro:
Sou barco navegando nos instantes,

Mas perder-me é que me torna navegante,
A viagem é o meu próprio ancoradouro.

Como é sombra o que faz a luz brilhante.


Michelangelo Merisi da Caravaggio