terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Ouvindo Sultans of Swing (e lembrando do primeiro contato com Londres)


Lembro da primeira vez que fui a Londres. Era um guri. 
Cheguei à Victoria Station no fim de tarde e perguntei onde conseguia um hotel. Naquele tempo não tínhamos internet, cartões de crédito, telefones celulares (telemóveis). Era uma aventura total, sozinhos no mundão. O rapaz das informações me indicou um hostel em Stockwell, bairro barato (na época). Frio, chuva, noite às 4 da tarde: enfim, Londres como eu imaginava. Mas o hostel era assustador. Uma residência de muçulmanos, com caras nada amigáveis para um brasileiro loiro, de olhos azuis e com um sorriso feliz, talvez ingênuo. Percebi logo que ali eu não ficava mais que uma noite. No outro dia tentei Knightsbridge, mais chique. Mas a espelunca era ainda pior: quarto compartilhado com vários, gente que morava ali, incluindo trabalhadores de outras áreas do Reino Unido.
Mein Gott! Eu tenho dificuldade de ficar hospedado na casa de conhecidos, mesmo de amigos íntimos. Mas não havia jeito: fui ao telefone público (aqueles vermelhos com janelinhas) e liguei para uns caras que moravam num subúrbio numa casa coletiva e que uma querida amiga havia me recomendado (lembro e agradeço até hoje a ela). Estes subúrbios de Londres onde a gente chega de trem, uma meia hora de viagem. Os ingleses eram legais, exceto um deles que um dia me olhou e diante de alguma coisa que eu disse sobre minha amada Porto Alegre respondeu secamente: “but I am British”…ri por dentro da criatura. Ah! E havia uma garota alemã que saía e entrava do quarto sem falar com ninguém. Pela primeira vez na vida (não a última) fui questionado pelos rapazes sobre o fato de tomar banho diariamente: “do you have any skin disease?”ao que eu respondi: “I take a shower everyday, even twice a day… I am Brazilian”. 

Uma noite, os rapazes, super queridos, me levaram a um clube que até hoje me traz a ideia dos encantos de Londres e sua peculiar Cultura. Um clube de bairro, onde os  vizinhos se reuniam para tocar e cantar jazz. Donas de casa, pais de família, gente da área, quem quisesse, cantando com alma e imenso talento. Eu assisti embevecido, e agradecia emocionado aos meus novos amigos.  Sultans of Swing sempre me leva àquela noite. 

Mas até hoje não sei se era a Grande Arte viva num bairro londrino, ou o efeito da cerveja quente em enormes copos que rolava. 



Long time ago...




Sofisma

 Quando o Dr. Albert Moll, neurologista e psiquiatra precursor da Bioética, em 1902 no seu livro Arzliche Ethik, referindo-se às centenas de experimentos eticamente questionáveis na Alemanha pré-nazista, trouxe à tona que a relação médico-paciente deveria ser um contrato voluntário entre iguais onde o critério fosse a autonomia, o que propunha era que o médico não poderia fazer com o seu paciente o que bem quisesse, necessitando da aprovação autônoma e bem informada do mesmo. Isto é autonomia. 

Porém, um mórbido jogo de palavras, distorção conceitual, transformou este contrato autônomo em alguns países num dever do médico de acabar com a vida de seu paciente caso este último assim o deseje. Contorcionismo pseudo-filosófico, sofisma destruidor da essência da Medicina que é o cuidado do ser humano doente até o fim de sua vida. 

O suicídio é voluntário e cada qual é responsável por uma escolha destas. Se há alguma coragem em dar cabo à própria vida diante das dores que a compõem, que seja então o suicida o responsável único por isto. 

Jamais submeter a Medicina, e a autonomia de um cuidador aos desejos auto-destrutivos de outra pessoa. 

Jamais tornar o médico aquele que empurra pessoas do alto da ponte. O médico deve ser, isto sim, o profissional gabaritado e competente para sedar a dor física e emocional. Tarefa da dimensão que a Medicina merece.


terça-feira, 9 de novembro de 2021

O Pulmão Verde do Mundo

 Metáforas ecológicas.

Costumam os estrangeiros imputar unicamente ao Brasil a responsabilidade de manter o "pulmão verde" do mundo, porque os brasileiros ao longo dos séculos tem evitado destruir sua parte da Amazônia, uma imensa região onde atualmente vivem 23 milhões de pessoas. A região mais carente do nosso país. 

Esta metáfora quase poética transfere ao Brasil a responsabilidade de não utilizar sua vegetação virgem, que hoje em dia mantém-se em cerca de 60% da vegetação do país (o único país que mantém algo assim é o Brasil).  Muito bem, acho lindo e o Brasil tem tentado equacionar com enorme dificuldade a manutenção da floresta Amazônica com um projeto de desenvolvimento que beneficie os povos da Amazônia. 

Contudo, o pulmão verde do mundo não se restringe à Amazônia. Cada árvore plantada, cada floresta que se refaz, em cada região de um país, constitui um "pulmão verde". O pulmão verde deve estar em todo o lado e é responsabilidade de cada país manter seu pulmão verde, com vegetação nativa, não eucaliptos australianos que queimam com facilidade, destruindo a vegetação regional. Como está o pulmão verde europeu? O americano? O australiano? O chinês, indiano, etc.?

Parem de projetar no Brasil sua responsabilidade intransferível. A Amazônia brasileira pertence ao Brasil (!) e atualmente as queimadas são monitoradas pela NASA num projeto conjunto do Brasil com os Estados Unidos pois a tarefa deste controle num continente verde é hercúlea. A atividade de desmatamento e queimada é crônica, tendo chegado a um pico máximo em 2005, mantendo-se, embora em menores níveis, após. Responsabilidade do Brasil, sim.

Mas pergunte-se, europeu, americano, australiano, pergunte-se como está pulmão verde de mata nativa, ou replantada com vegetação nativa, no seu país, na sua região, no seu pátio.

Os programas de TV que assisto aqui acusam meu país, e desconhecem, negam com indiferença, e enorme falta de respeito, sua própria (ir)responsabilidade coletiva na reconstrução do pulmão verde global.

Detesto metáforas, slogans, e palavras de ordem:  emburrecem as pessoas e levam a atitudes lamentáveis.





sábado, 6 de novembro de 2021

O carnaval rancoroso dos ricos


 Ver os europeus e norteamericanos ricos, em suas cidades de asfalto e jardins planificados, comunidades e culturas que ao longo dos séculos destruíram e continuam destruindo tudo o que é floresta nativa, e transformaram sua geografia em intermináveis áreas de agricultura extensiva, a exigir “dos outros” (os que mantêm imensas áreas de vegetação nativa e florestas) mudanças de conduta, é a visão do ridículo, um circo politicamente correto. 

Mãos à obra mundo desenvolvido: replantem florestas com planejamento da flora original, renunciem ao uso da terra como fonte de riqueza, reduzam o uso (intensivo) de plástico, asfalto e concreto!  Fatos para “parecer” verde, como plantar campos de eucaliptos incendiários, milho para produzir biodiesel, jardins no alto de edifícios nas cidades, parques arborizados e elegantes para desfrute dos cidadãos e especulação imobiliária, são nada, ou pior que nada.

Há que repensar o manejo da terra, e refazer as extensas selvas, antes de acusar “os outros” de genocídio por crime ambiental. A História é capaz de sentenciar aos acusadores que transformam em festa televisiva a  inconsciência sobre sua própria (ir)responsabilidade.

Isto sem falar do envio de lixo (tóxico, contaminante) para descarte em países mais pobres. Crime ecológico de lesa-humanidade.

O mundo conhece bem a soberba reguladora dos poderosos sobre os mais humildes.

O resto é politicagem, demagogia, aparências, hipocrisia.

sábado, 9 de outubro de 2021

Visão de Mundo (Weltanschauung)

Crê em tudo o que eleva a alma

E a liberta da submissão ao medo

E aos partidos, crê no segredo

Que a vida te sussura ao ouvido,

 

Nas evidências dos fatos como são

Mesmo os que parecem absurdos,

Ou não se explicam facilmente, crê

Em tudo o que teus olhos veem.


Crê na vida que viveste, na que vem,

Crê na dor com que aprendeste,

Crê cegamente no valor do Bem,

Crê na humanidade do Homem.


Crê no poder incalculável dos atos

Que alteram as visões de mundo

Mais que os tratados de Filosofia


E, sobretudo, crê como um crente

No dom inato e inerente do amor

Que leva para além das ideologias.

 


Thales de Mileto

domingo, 19 de setembro de 2021

Guerreiro


 

O jovem sonha 
As chances todas,
De espada erguida.

Fé em si e na vida
Fazem girar as rodas
Da obscura engrenagem
Que a cada um cabe.

Um tanto cego,
Um pouco tonto,
Lança-se adiante,
Ingênuo confiante,
Inda sem saber
Que ninguém 
Está pronto.

E luta. E tomba.
Sente na alma
A dor da derrota,
 Desconhecida,
Mesclada, incluída
No valor da vitória.

E assim, pela vida.

O tempo escoa 
E o jovem não morre
No homem velho
(Um vencedor
Aos olhos do mundo),
Guerreiro ferido
Em duras batalhas
No fundo.

“O que foi que fiz,
Que história criei,
Vencido, fui rei,
Vencendo, fui pouco,
Na dor saboreei
Alguma alegria
E na euforia
Deixei-me perder.

Minha sabedoria
Incluiu loucura
E foi dessa loucura
Que criei lucidez.

Ao amar, sofri
E a sofrer por amar
Foi que me encontrei.

Não cheguei ao céu
Vivendo infernos,
Não alcancei a luz
Que emana de estrelas.

Mas tenho o coração
Luzindo, tão terno
No abraço ao irmão
Com que sigo no breu
A construir coisas belas,

Que hoje eu sei:
A vitória sou eu."


quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Delfim e seus instintos

Longe deixei meus trajes velhos, despi-os,
E os pés descalços tramaram novas rotas.
Meus caminhos foram feitos de desvios
Que uma bússola de nave na alma aponta.

Permito me guiar por esta força interna
Que cria o rumo à frente nos meus olhos,
Retesa-me o corpo, move-me as pernas,
  Como voz em sonhos a odisseia monta. 

Penetro nu em mares não sabidos,
Futuro de um passado morto por vivido,
E nado enfim, delfim que sou, buscando o lar.

Onde, e se, chegarei eu apenas pressinto
Crendo que ser eu mesmo, e eu não minto,
Seja seguir esta força aonde me levar. 



 

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Suicidas (e criminosos) inconscientes

 Em relação à maioria das doenças preveníveis por vacina, a vacinação de uma porcentagem ampla da população protege mesmo os não-vacinados por um processo denominado "imunidade de rebanho". 

Contudo, se decrescem as taxas de vacinação devido, por exemplo, aos movimento anti-vacinas, voltam as doenças a apresentar sua forma epidêmica, que é representada em termos estatísticos pela fórmula R>1.

Este é o caso da recorrência nos últimos anos de extensos surtos de sarampo em populações europeias e da América do Norte, com a volta das mortes por sarampo. Algo inadmissível para uma doença que havia sido eficazmente controlada há décadas. Como dizia um índio personagem de filme: "Too much TV" (hoje, em dia seria "too much internet"). O risco, neste caso, é em primeiro lugar para os não-vacinados. 

Tinha uma amiga, aparentemente inteligente e com curso universitário (se é que estes critérios valem alguma coisa) que quase perdeu os dois filhos e a própria vida por se basear em leituras malfeitas na internet sobre imunização contra o H1N1. Tudo muito "alternativo" e "progressista". Eu havia recomendado vacinar, mas com algumas pessoas não há argumento que resolva. Espero que tenha aprendido.

Pois com o Covid19 está assim: há a manutenção da epidemia entre os não-vacinados nos Estados Unidos e Europa, com mudança do perfil de internações, incluindo  UTI, e óbitos, que passaram a ocorrer entre os mais jovens. As vítimas mais vulneráveis da desinformação. 

Ocorre que os vacinados, mesmo sem sintoma, se têm contato com o vírus podem contaminar aos outros, não-vacinados, pelo menos com variantes virais do tipo delta. Assim, torna-se bastante difícil chegar à desejada imunidade de rebanho.

Para os demais, vacinados, há risco? Se a parte da população não-vacinada mantém o padrão epidêmico, há a possibilidade de surgirem mutações que escapam à prevenção das vacinas disponíveis. Os centros de investigação em epidemiologia e vacinas estão atentos a isto, analisando as variantes que despontam em todos os continentes, e buscam  ampliar o espectro de proteção das vacinas.

Contudo, neste momento da Pandemia seria fundamental buscar condutas governamentais de Precaução, mais baseadas na evitação, ou pelo menos na diminuição, do risco. 

Ou seja, obrigatoriedade da vacinação, pois os riscos à Saúde Pública em situação Pandêmica podem ter prioridade em relação à autonomia individual. Ou, pelo menos, um certificado digital para entrar em restaurantes, meios de transportes e lugares públicos.

(humilde opinião pessoal)...

sábado, 17 de julho de 2021

Os Frutos da Terra (lembrando de Gide)

 « Nathanaël, je t'enseignerai la ferveur.Une existence pathétique, Nathanaël, plutôt que la tranquilité. Je ne souhaite pas d'autre repos que celui du sommeil de la mort. J'ai peur que tout désir, toute énergie que je n'aurais pas satisfaits durant ma vie, pour leur survie ne me tourmentent. J'espère, après avoir exprimé sur cette terre tout ce qui attendait en moi, satisfait, mourir complètement désespéré. »

Les Nourritures Terrestres, André Gide


Desfruto a vida,
Que ela existe
Para ser usufruída,
Ela é fruta 
 A ser comida.
Se fruída ela apetece,
Se não fruída, 
Apodrece
Desconhecida.

Vivo o tempo
E sua relatividade.
Veloz paisagem
Quando o trabalho
É intenso, viagem
De lentos caminhos
Quase eternos
Quando medito
Ou penso.

Adentro
Nos escaninhos
Da alma
Rumo ao centro,
Atravesso Histórias
E países que trago
Dentro,
Até chegar
Onde há como um vazio 
No espaço-tempo
De onde brotam
O que sou e o movimento,
Meus amores,
E os mais
Preciosos dons:

Sementes de frutos
E flores.

Levo afora,
Aos campos da terra,
As sementes.
Planto, rego, colho,
Distribuo o que 
Flui à vida de mim
Com a devoção 
De um crente.

E desfruto 
A vida
Assim.
Intensamente.





quarta-feira, 7 de julho de 2021

Maurice


Um coração

Tão aberto que ali sopraram 

Os ventos de todas as crenças e ideias,

Tão imenso que ali cruzaram

Todos os povos e as pessoas todas,

Um coração profundo, como sabe ser

Quem percebe e perdoa 

A pequenez e as mazelas do mundo.


Eu te (re)conheci,

Pelo olhar agudo, sorriso maroto,

Lá pelos meus catorze anos.


E foram tantas caminhadas

Pelo Menino Deus, 

Tantas conversas,

Questões levantadas

Para que alguém chutasse

E fizesse gol nesta vida.


Anos e anos, e histórias,

E cafés, e livros discutidos,

Pré-socráticos,

Idealistas gregos, 

Nietzsche,

Maçonaria, místicos,

Humanistas, Toynbee,

Wallace, tantos mais,

E (sistemáticas) dúvidas

E (compartilhadas) críticas,

Além de risadas e mais risadas.


Tempos após

Em rumos distintos,

Ao nos reencontrarmos

Éramos tão próximos,

Talvez tão mais próximos,

Que me disseste de ti

Coisas que eu não sabia,

Os segredos e os medos

Que doam à vida

O que a vida dispõe 

Para haver poesia,


E que só confessamos

Quando existe philia.


Eu te agradeço, 

Por teres sido

Comigo

Um pai, 

E, ao fim, o amigo.



Lembrando de Sambaqui, Florianópolis.

domingo, 6 de junho de 2021

Doutor, cite apenas o que leu.




Ética e Estética, assim como Política e a Metafîsica, compõem a Filosofia,  a qual nos obriga a estas frases cheias de maiúsculas, dúvidas e raras certezas. Viva a Ciência. 

Mas há algumas situações que envolvem ética e estética, mexem com a política e podem ter desfechos controlados pelas regras, segundo alguns menos nobres, da Lei. Como o uso de citações de textos, algo que costuma parecer ético, elegante, é o que mais fazem alguns escritores, ideólogos e políticos, e pode gerar processos jurídicos devido à questão da autoria.

Coisa que se vê não só nas redes sociais, mas em textos de alunos de faculdade e mesmo em conversas com pessoas pretensamente cultas, uma verdadeira praga do discurso, é a citação de autores não lidos.  Uma coisa é alguém envolvido seriamente com reflexões sobre um tema que domina, deseja dominar, ou ama, outra a tentativa de convencimento usada pelo inculto orador, o pouco ilustrado aluno, o ardoroso torcedor de ideologia ou partido, ou ainda a lábia do político sociopata ou malandro. O jogo de citações como holofote para o esperto. 

Lá pelos 18 anos me envolvi com Filosofia e percebi, ao me aprofundar, que ela é constituída em grande parte de ilações sem adequada base factual, erros de interpretação da realidade por uso de método pouco acurado, muito discurso e lixo da erudição vazia. É das ilações filosóficas a partir de dados científicos mal interpretados que se geraram, por exemplo, o movimento Eugênico, e outras enfermidades culturais que  deram poder aos totalitarismos do início do século XX.

Mas Kant me pareceu imenso, não apenas no sentido de extenso, mas de grandioso. Dei-me conta de que conhecê-lo seria a tarefa de uma vida. Aprofundar-se em Kant equivaleria para mim a tornar-se um “profissional do Pensamento”. E não me aventurei, pois além de não ter família rica que sustentasse meu gozo intelectual, eu queria fazer algo prático para ajudar pessoas, como cuidar de bebês. Refleti que, no meu caso, e dos meus colegas, trabalhar com o tratamento de doenças infantis me faria mais útil. E não me enganei. 

Filosofia é aquela prima pobre e culta da Literatura, que tenta converter a irmã Poesia a  uma atitude mental mais lúcida, e desdenha a Música (exceto no “caso” Nietzsche-Wagner, que acabou em baixaria). Pois a Filosofia tem entre seus para-efeitos levar os homens a abusar das citações. Citações que empestam os discursos de políticos ignóbeis, os textos- especialmente os mais estúpidos e mal escritos- e a lábia dos manipuladores. 

Citar pode ser um tipo de técnica que empodera ao que é vazio ou absurdo. As redes sociais são o reino das citações.

Quando leio o texto de alguém citando Immanuel Kant, ou opinião sobre algum tema citando Freud, Jung, sei lá mais quem, eu não fico impressionado, fico com o pé atrás me perguntando: será que leu? Que compreendeu? Que refletiu sobre? Será que criticou baseando-se em algum tipo de realidade seja pessoal, histórica, ou pelo menos, evidência factual? 

Por exemplo, usar citações "filosóficas" como o slogan nazi da "vida indigna de ser vivida" para defender a eutanásia e o infantícidio eugênico setenta anos apenas após o Nazismo, em nome de um progressismo nascido em países no norte da Europa e não integrar estes dados, para mim, é um tipo de dissociação cognitiva, ou estupidez. Hoje em dia,  na Alemanha, defende-se o respeito aos embriões de galinha, por serem seres já senscientes, enquanto  embriões e mesmo fetos humanos, são destruídos intra-útero sem qualquer preocupação ético-moral, usando como justificativa a "autonomia da mulher". E simula-se uma regulação "ética" baseada nas etapas de desenvolvimento como se isto desculpasse a eliminação de um ser-humano. Desde a liberação do aborto nos Estados Unidos, cerca de 40 milhões de seres humanos foram mortos intra-útero, sem piedade. Poderia ser a população inteira de um país.

Então, em nome do bom gosto estético, não cite Kant como se o conhecesse. Você pode passar por arrogante e tolo, o que é deselegante do ponto de vista estético como móveis dourados comprados em lojinha chinesa para parecer rico. Ou tetas enormes, preenchimentos labiais, horrores destes tempos para simular beleza. Se conhece, cite sim, e ensine. E em nome da Ética, não imagine que citar um famoso A ou B torne um crime justificável.

Mas vamos dizer que, tendo que preencher uma imensa página em branco com esparsas leituras e raras reflexões, se citar, não esqueça, pelo menos, de por o texto entre aspas, escrevendo ao final, entre parênteses, umas simples palavrinhas, tais como o nome do autor, neste caso, Immanuel Kant, nome da obra, no capítulo tal, parágrafo tal, nome da editora, ano da publicação e páginas inicial e final). 

Jamais, repito, jamais torne-se “o criador” de um texto de Kant, ou de algum papa, ou guru, ou de algum colega médico desconhecido da Tanzânia, ou ainda de um poeta. 

Não se adone do que não lhe pertence. A questão neste caso, não é mais Estética, mas sim envolve deveres e princípios éticos, beirando as regras legais, jurídicas relativas ao plágio.

Há poetas brasileiros que fizeram fortuna “adaptando”, sem citar,  textos e frases de outros autores e justificaram-se por isto ao criar um “Movimento”. Coisas de “gênios tupiniquins” antropofágicos.

Para terminar, voltando ao início e, por que não, me desdizendo, Estética, Ética, Política, mesmo Metafísica, merecem ser abordadas e pensadas com seriedade, amor desinteressado, e aprofundamento. Valores atemporais. Talvez estes valores sejam os critérios diferenciais entre a mediocridade e a sabedoria pessoal, entre erudição qualificada e arrogância e, por isto, constituam as bases da Civilização. 

Filosofia verdadeira é a companheira ideal da Ciência bem feita. E da Vida bem vivida. 


(Estar em Coimbra me faz bem...).

sexta-feira, 28 de maio de 2021

As Origens do COVID 19 na China sem adequada Regulação Ético-legal de Pesquisa


Este texto levanta a questão de algo denominado em Bioética de “conhecimento perigoso”, o qual, segundo HR Potter é “aquele conhecimento que se acumulou muito mais rapidamente que a sabedoria necessária para gerenciá-lo.” O conhecimento torna-se perigoso, por exemplo, nas mãos de ideólogos, burocratas e especialistas carentes de um adequado comportamento ético e moral, pois para alguns deles “vale tudo”. 

A Ciência Biomédica é um espaço onde a discussão séria e ampla da regulação ético-legal da investigação científica é fundamental. Sem esta discussão, corremos o risco de nos tornamos o Doutor Frankenstein,  protagonista do espetacular e profético romance de Mary Shelley. Passamos a criar monstros. Além disto, a utilização ideológica, especialmente pelos regimes de viés totalitário (de qualquer cor), dos conhecimentos e técnicas científicas é um risco sempre presente. 

A “Medicina Desumana” (em alemão, ”Medizin ohne Menschlichkeit") que se tornou evidente para a Humanidade com os experimentos em seres humanos pelos nazistas e que ainda permeia a atuação médica, segundo Dingwall & Rozelle (1) não se limita ao Nacional-Socialismo. Ocorreu e ocorre em diferentes países, facilitada por "...um tipo de pensamento, de uma visão de mundo, em que os seres humanos são “apenas animais”, aglomerados de moléculas e, portanto, coisas, objetos passíveis de serem usados como cobaias”.

Na maioria dos países, incluindo o Brasil, a experimentação Biomédica, a partir do julgamento de Nuremberg, passou a ser estritamente regulada, produzindo um marco não apenas em termos de ética da experimentação em humanos, como também em animais e mesmo em ecossistemas. Ainda assim, como aponta a Dra. Julia Black, "é crucial reconhecer que a presença de regulação ética não implica a ausência de barbarismo no tratamento ou na investigação envolvendo pessoas” (2). 

Um princípio a ser considerado sempre é o da Precaução (3). Segundo Hans Jonas, a existência de “risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que o possam prevenir”. Este é o trabalho dos bioeticistas e médicos envolvidos com a Ética Médica.

Atualmente, há uma série de experimentos sendo feitos na China que usam o conhecimento científico disponível sem adequada regulação ética, o que torna perigoso este conhecimento, não só para a Saúde, mas também para a integridade da pessoa humana, e mesmo para a continuidade das conquistas da Civilização. Especificamente em relação à Investigação Biomédica, alguns dos conhecimentos perigosos tem gerado experiências dignas de um Dr. Frankenstein, incluindo:

1) o uso experimental de embriões humanos, como por exemplo o emprego de tecido cerebral de bebês abortados para desenvolver produtos médicos, como o faz e apregoa o Dr. Hongyun Huang, neurocirurgião de Beijing, que trata lesões de medula espinal e doenças neurodegenerativas com tecido cerebral de bebês abortados (4). 
O projeto, aprovado localmente pela Direção de seu hospital, passou a ocorrer apesar de ser “proibido” na China, talvez porque naquele país a regulação ética não significa regulação legal. Ou ainda, talvez porque o objetivo do Dr. Huang e das revistas chinesas que divulgam seu trabalho “pioneiro” seja fazer da China o “líder mundial nos transplantes celulares”.

2) outro tipo de experimento em embriões humanos foi realizado por He Jiankui, um biofísico, da Universidade de Shenzen, o qual, com euforia, anunciou em 2018 que havia usado duas meninas gêmeas em estágio embrionário para a edição de genes por “CRISPR-Cas9” visando induzir resistência ao vírus da AIDS. Estas “cobaias embrionárias” não tiveram o direito de assinar um consentimento para o uso desta técnica que pode, com elevada probabilidade, gerar anomalias congênitas não apenas nas meninas, mas também futuramente em sua prole (CHINA NEEDS STRONGER ETHICAL SAFEGUARDS IN BIOMEDICINE - AS THE COUNTRY SEEKS TO BECOME A RESEARCH POWERHOUSE, IT MUST RECTIFY WORRISOME PRACTICES (Scientific American, editors - Outubro de 2019).

3) clonagem de embriões humanos e de animais, as denominadas “Quimeras”. Na Mitologia, as quimeras eram representadas como seres híbridos com cabeça de leão, corpo de cabra e rabo de serpente. Pois hoje, é possível produzí-las através da fusão de células fonte (estaminais) embrionárias humanas com as de animais, com embriões de animais, ou mesclando as células de animais entre si. São produzidos embriões mistos em laboratório. Foi o que se passou recentemente num projeto compartilhado entre China e uma Universidade da Espanha, país no qual este tipo de experimento é proibido tanto ponto de vista ético como legal. Na China, a “clonagem terapêutica e experimental humana” é permitida, desde que sem implantação uterina. MAS (em maiúscula) a implantação destas quimeras animais - humanos ocorre, pois não há adequada regulação. 
Assim, “cientistas espanhóis criaram na China um ser hídrido, homem-macaco, utilizando a implantação de células-fonte humanas em embriões de símios. Segundo informações das revistas Galileo e El País, a “quimera” foi sacrificada durante a gestação” (Galileo, El País, 2019). Foi mesmo? Quem sabe...
Estrella Núñez, bióloga e vice-reitora de pesquisa da Universidade Católica de Murcia (UCAM), considerou o experimento importante para que animais de outras espécies possam virar, no futuro, “fábricas” de órgãos para transplantes.

4) Finalmente, o tema deste escrito, diz respeito especificamente, ao emprego de um método denominado “Gain of Function Research” (GOFr), também chamado de “Research involving potential pandemic pathogens" (PPPs) e que consiste no “aumento experimental do potencial infetante e patogênico de um vírus para caracterizar o risco de causar pandemia.

Por que a China?

O PC Chinês lançou Programa (Agenda) denominado MADE IN CHINA 2025, que visa levar aquele país a liderar as ciências aeroespacial, de robótica, energia limpa, transporte e Ciências da Saúde. Em Medicina, percebemos nos programas digitais de busca como o Pubmed uma enxurrada de artigos produzidos na China, alguns interessantes, mas muitíssimos de qualidade discutível. 

Este Programa assume uma moral que em Chinês é chamada de “jigong jinli”, traduzível “como sucessos rápidos com ganhos a curto prazo” (5, 6). 
Ou seja, pragmatismo da pior espécie, o vale-tudo.

A “Regulação Bioética” é ineficaz na China (https://www.scientificamerican.com/article/china-needs-stronger-ethical-safeguards-in-biomedicine/?print=true). As primeiras diretrizes de Ética Médica foram produzidas por lá apenas em 1980, seguindo a proposta de serem “baseadas nos princípios da comunidade científica internacional”, MAS (maiúscula) como descrito acima, não implicam regulação legal. 

Os Comitês Ética locais são despreparados nas questões regulatórias, bem como os cientistas e médicos pois não têm formação relacionada a princípios éticos e comunicação com pacientes. Não há valorização dos “interesses do paciente” e da autonomia da pessoa. A comunicação médico-paciente costuma ser feita aos familiares, ou mesmo a eventuais "conhecidos".  A solicitação de um Consentimento Informado não é uma prática eticamente recomendada, muito menos uma determinação legal, na China. 

E não há informações adequadas sobre como o Consentimento informado para investigação em ensaios clínicos é obtido na China. 
Um exemplo foram os experimentos da companhia Pukang Biotech, a qual ilegalmente comercializou uma vacina contra hepatite sem ter autorização de qualquer Agência Reguladora chinesa. Testaram a vacina em crianças de escolas da Província de Anhui, tendo causado doença em centenas de crianças e mesmo uma morte (7).

Lei R, et al. citam a continuação de um “pensamento eugênico” entre os professores universitários chineses, visto que em livros textos de Medicina publicados recentemente, entre 2010 e 2015, ensina-se que “pessoas deficientes” são (em Chinês) “liesheng”, ou seja, inferiores e um peso para a Sociedade, sugerindo que deveriam ser esterilizadas, mesmo com o uso da força para evitar que tenham filhos (8).

E o que decorre desta “desregulação da investigação bioética na China”? 

Que grupos de cientistas investigadores internacionais associados a colegas chineses, fazem na China experimentos que são proibidos em seus próprios países, como foi o caso das quimeras entre humanos e símios pelos espanhóis.

Um destes experimentos envolveu o uso da técnica de "Gain of function" para potencializar o vírus SARS-COV (https://www.newsweek.com/dr-fauci-backed-controversial-wuhan-lab-millions-us-dollars-risky-coronavirus-research-1500741). Em 2019, o National Institute for Allergy and Infectious Diseases, dos Estados Unidos, sob a liderança do conhecido Dr. Fauci, financiou o trabalho de cientistas do Instituto de Virologia de Wuhan em pesquisa envolvendo “gain of function research” utilizando coronavírus de morcegos. 
O Instituto de Saúde dos Estados Unidos (NIH) em 2019 despendeu milhões de dólares para iniciar e desenvolver estes experimentos em morcegos que haviam sido previamente coletados em outro projeto de Pesquisa com os chineses, financiado pelo NIH e iniciado em 2014. 

Houve críticas de pesquisadores internacionais contra estes experimentos devido ao potencial risco de contaminar seres humanos, mas o Projeto EcoHealth Alliance, dirigido pelo Dr. Peter Daszac, envolvendo "gain of function research", só deixou de ser financiado em Abril de 2020, quando a epidemia já tinha dimensões pandêmicas.
Entre os objetivos do projeto constam (aqui vou manter em Inglês pois são detalhes que, embora fundamentais, não interessa a muita gente a não ser médicos e investigadores biomédicos: 

We will use S protein sequence data, infectious clone technology, in vitro and in vivo infection experiments and analysis of receptor binding to test the hypothesis that % divergence thresholds in S protein sequences predict spillover potential."

Ou seja, testaram a “capacidade de um vírus modificado por engenharia genética de ser transmitido de um animal para um ser humano, o que requer que o vírus seja capaz de ligar-se a receptores das células humanas. O COVID-19, por exemplo, tem a estratégia de ligar-se ao receptor ACE2 nos pulmões e outros órgãos.  

Segundo Richard Ebright, infectologista da  Rutgers University, estes experimentos “aumentam a habilidade do coronavírus de morcego, por engenharia genética, de infectar seres humanos". Ebright foi uma voz de oposição a estes experimentos de “gain of function”.
O debate dura já uma década na Comunidade científica Internacional pelo risco de escape (“spillover”) laboratorial com as consequências devastadoras de uma Pandemia (Newsweek, 28/04/2020).  A Inteligência dos Estados Unidos, após haver originalmente considerado a possibilidade de mutações naturais ocorridas nos vírus de morcego, já em 2020 passou a considerar como provável um escape laboratorial do vírus SARS-Cov-2, o mundialmente conhecido COVID-19, fruto de manipulação genética (Rebecca Ttagger. US FUNDER ENDS CORONAVIRUS RESEARCH WITH WUHAN LAB AMID POLITICAL PRESSURE.  https://www.chemistryworld.com/news/us. 5 MAY 2020).

Traduzo e agrego aqui uma das conclusões do artigo “The proximal orgins of SARS-COV-2” publicado na revista NATURE MEDICINE (2020; 26:450–5), que tem sido citado como a “opinião da Comunidade Científica” favorável a um processo mutacional natural do vírus SARS-Cov: 

“Pesquisa básica envolvendo modificações induzidas nos Coronavirus semelhantes ao SARS-COV de morcegos em culturas celulares e/ou modelos animais tem sido realizadas há muitos anos em laboratórios de nível elevado de Biossegurança em todo mundo, e há relatos documentados de escapes de vírus SARS-CoV de alguns laboratórios. DEVEMOS, PORTANTO, EXAMINAR A POSSIBILIDADE DE UM ESCAPE LABORATORIAL DO SARS-Cov-2 (na origem da Pandemia). Em teoria, é possível que as mutações RBD adquiridas pelo vírus tenham ocorrido durante a adaptação às modificações induzidas na cultura celular, como tem sido observado em estudos com vírus SARS-Cov".

Para mim, pessoalmente, ficou evidente que algo como este escape de um vírus animal adaptado a humanos (spillover) previamente narrado deve ter acontecido, ao ler nesta semana uma reportagem da revista italiana  QuotidianoNazionale, em que se afirma (pela primeira vez) que a doença afetou funcionários investigadores do Instituto de Virologia de Wuhan logo nos primeiros momentos da Pandemia

Ou seja, a infecção já se alastrava entre os funcionários do Instituto de Virologia quando o primeiro surto surgiu, sugerindo que pode ter se originado naquele centro de pesquisa
Este dado ficou ocultado e representa um detalhe fundamental na sequências dos eventos ocorridos em Wuhan (vide: https://www.quotidiano.net/cronaca/virus-in-laboratorio-nuovi-sospetti-gli-scienziati-indagare-ancora-in-cina-1.6410279?fbclid=IwAR2IPPYs-Wv9thqTyBFJBloId_0WMgl5y-J63E9fUYkbohpjscOGB-4QIxg)

Tomara que o Presidente Biden tenha sucesso (e poder suficiente) para aclarar esta questão. Temos todos o direito de saber a verdade e exigir que, sendo real que o escape de um vírus geneticamente modificado seja a causa de milhões de mortes e de um transtorno incomensurável em todos os países, este tipo de experimento, assim como os outros absurdos citados acima, NUNCA MAIS sejam realizados. Mas, provavelmente, neste momento já seja impossível obter as provas.

E deixo aqui minha homenagem ao Dr. Li Wenliang (foto abaixo - 12 de Outubro de 1986 – 7 Fevereiro de 2020), oftalmologista Chinês que trabalhava no Wuhan Central Hospital, e que ao perceber o surgimento dos casos de infecção por COVID19, denunciou nas redes sociais a existência de uma epidemia ocultada. Acabou preso pelo PC Chinês e morreu devido à doença alguns dias após.



Referências:

1) The Ethical Governance of German Physicians, 1890-1939: Are There Lessons from History? The Journal of Policy History 2011;23:1. Cambridge University Press, 2011.
2) Black, J. Constructing and Contesting Legitimacy and Accountability in Polycentric Regulatory Regimes. Regulation & Governance 2008;2:137-64. 
3) Goldim JR. A Avaliação Ética da Investigação Científica de novas drogas: a Importância da caracterização adequada das fases de Pesquisa. Revista HCPA 2007; 27(1).
4) Cyranoski D. Consenting adults? Not necessarily... Nature 2005; 435: 138–139; Cyranoski D. Fetal-cell therapy: paper chase. Nature 2005; 437: 810–811.
5) Wolfgang Hennig. Bioethics in China - although National Guidelines are in place, their implementation remains difficult. EMBO Reports 2006;7(9):850-4. 
6) Ruipeng Lei, Xiaomei Zhai, Wei Zhu. Reboot ethics governance in China - the shocking announcement of genetically modified babies creates an opportunity to overhaul the nation’s science. Nature 2019; (May);569:184-6.
7) Wolfgan Hennig. Bioethics China. EMBO REPORTS 2006;7(9):850-4).
8) Ruipeng Lei, Xiaomei Zhai, Wei Zhu. Reboot ethics governance in China - the shocking announcement of genetically modified babies creates an opportunity to overhaul the nation’s science. Nature 2019;569:184-6.



quinta-feira, 13 de maio de 2021

a morte do barbudo

 Há uma confusão entre religião formal e espiritualidade humana, de tal forma que a derrocada das crenças religiosas formais tem implicado a decadência da espiritualidade humana. É como se sem a voz do papa, do rabino, do iluminado e do guru, reinasse o "vale tudo", aliás, a cara do nosso Tempo.

No entanto, a espiritualidade humana, a valorização dos potenciais e qualidades específicas do ser humano, a opção consciente pela visão de uma sacralidade da vida humana, a crença na transcendência da pessoa através das experiências da vida, incluindo o sofrimento que é inseparável do viver, são as únicas bases de uma possível  Civilização. 

O não matarás não perde o valor intrínseco se deixa de ser uma lei criada por um deus barbudo. O não matarás é a base fundamental de uma civilização que reconhece o seu passado: o mundo arcaico que tentamos abandonar, o mundo dos filicídios, matricídios, parricídios, o mundo dos genocídios, da selva ou dos regimes totalitários. Diga-se de passagem, os regimes totalitários da primeira metade do século XX são frutos da perda total dos princípios civilizatórios devido à derrocada das bases cristãs formais.

O deus barbudo das tradições talvez apenas seja o símbolo da espiritualidade humana em seu maior nível, a intuição certeira dos mecanismos que regem a psiquê humana profunda e o Universo. Uma visão do "numen" sempre Desconhecido.

Confundir crenças em uma religião formal com amadurecimento espiritual tem lamentáveis consequências. 

O desapego de alguma religião para uma pessoa sábia, letrado(a) ou iletrado(a), pode levar ao cumprimento integral das regras que as religiões tentam impor pelo medo.  Se estas regras são adequadas à manutenção e à saúde de uma sociedade civilizada, devem ser respeitadas, como se fossem "a palavra de deus".

.......................................................................................................

Religiões formais e espiritualidade humana são coisas distintas. A morte das tradições não necessita ser a morte dos valores humanos essenciais. A necessidade radical de amar ao próximo, de respeitar ao outro não são conceitos que tem dono. 

Há questões cruciais que estão sendo questionadas em nome de um preconceito “anti-religioso” sem nos darmos conta que destruir certos valores (por serem coisa de “religião”) implica na destruição da própria civilização. A liberação de matar, na verdade o dever de matar, gerido pelo Estado, concedido aos médicos em países do norte da Europa com histórico nazista leva ao fim do que conhecemos por Essência da Medicina, e o valor do “ato médico”. Diz-se: sacralidade da vida humana, o tabu de não-matar são coisas de “religiosos”, um atraso nestes “novos tempos”. Não é assim. 

O “não matarás” não é o “primeiro mandamento” à toa. É o passo limítrofe entre a civilização e a barbárie ancestral. Os antigos judeus sabiam, por experiência histórica e intuição, o que diziam.



domingo, 2 de maio de 2021

Exercícios pessoais com a Novilíngua

"The purpose of Newspeak was not only to provide a medium of expression for the world-view and mental habits proper to the devotees of Ingsoc, but to make all other modes of thought impossible."

“And if all others accepted the lie which the Party imposed—if all records told the same tale—then the lie passed into history and became truth. ‘Who controls the past’ ran the Party slogan, ‘controls the future: who controls the present controls the past.'”

George Orwell, 1984 - trechos



Estou treinando para a Novilíngua...é um exercício de criatividade. Podes mudar as palavras como queres e as coisas se transformam...é uma técnica "transformadora da realidade", como dizem os adoradores da "mística quântica" e os professores de Ciências Sociais. Criminoso pode ser injustiçado, homem probo pode ser moleque irresponsável, ladrão pode ser heroi...tudo depende dos fins que tens em mente. Bem legal! Mentira pode ser verdade oculta, fato provado pode ser mentira. Bem (i)legal.

Treinando aqui:

A justiça brasileira é a melhor do mundo. A Lei funciona para todos, principalmente para políticos corruptos, na proteção dos direitos do povo brasileiro. As irregularidades dos governos petistas nunca ocorreram. O BNDES nunca foi usado para favorecer empresas ligadas ao PT. O apartamento não é do exu, ou ele comprou com a aposentadoria da falecida que trabalhava na Avon. Ou ainda, como eu já, ouvi: "rouba mas faz" voltou a valer.  A Dilma é brilhante. O problema são os juízes concursados da PGR que perseguem os melhores governantes que o país já teve, os que acabaram com a miséria que depois voltou.

Sobre o Foro de São Paulo, Castro e Che nunca mataram civis inocentes incluindo homossexuais. Venezuela é uma democracia plena e o país vive a prosperidade idealizada pelo Foro de São Paulo. Os venezuelanos saíram em massa do país de férias, com a grana que a dupla Chavez-Maduro entregou ao povo.

Sérgio Moro e Dalagnol são dois moleques, aliás toda a magistratura (falsamente!) qualificada que julgou os homens probos do PT é composta de moleques. Os bilhões de reais devolvidos aos cofres públicos por empresários ligados ao PT, na verdade são dinheiro de família surrupiado pelos juízes da Lava-Jato a estes nobres empresários devendo ser restituído a eles pelos brasileiros, e com juros!

Os advogados sem concurso colocados pelo PT e PSDB no STF, com a grandeza de um Gilmar Mendes, entre tantos luminares, naquela ágora de homens probos e idealistas, desfizeram a teia criminosa de falsidades que lesou a reputação do mais honesto dos brasileiros.

A roubalheira por via da Odebrecht nunca existiu, nem os vínculos com ditaduras internacionais. Angola é uma democracia, Cuba idem.

Pronto! Estou preparado para o Brasil “dos novos tempos”. Já consigo mentir para mim mesmo e esquecer que minto. Estou pronto para auxiliar na criação do Novo Mundo onde o Bem é sempre vencedor porque a História é reescrita. Isto é maravilhoso!!!

Aliás, Orwell não se referia aos Socialistas no livro 1984 e IngSoc se refere a time de futebol inglês. E Orwell era um crápula (é preciso desclassificar quem te joga a verdade na cara.)

terça-feira, 6 de abril de 2021

Os incuráveis criadores do novo mundo (ou "sonhar mais um sonho impossível")

Sinceramente? Não haveria um forte viés racista e supremacista europeu por trás destes movimentos revolucionários coletivizantes na América Latina? Descendentes de europeus, de classe média alta, insuflados por ideologias originadas do Idealismo Alemão buscam civilizar os “primitivos” povos indígenas e africanos, que não prestam “a criar uma civilização”. Não haveria nisto um revival laico dos evangelismos e das missões jesuíticas que empestaram a história do continente latinoamericano por séculos ? Ao falar com europeus envolvidos nisto, principalmente franceses, sempre percebi algo do tipo “temos que ensinar civilização à gentalha”. Estes ideólogos tem uma espécie de prepotência intelectual, a “Síndrome dos criadores do Novo Mundo”. Pois o resultado final é ainda o mesmo: falta de liberdades, corrupção, opressão e, nestes últimos movimentos coletivistas, miséria avassaladora. Se eu fosse das áreas das Ciências Humanas, pesquisaria isto...

Um dos ícones simbólicos da "Síndrome dos criadores do Novo Mundo" é Dom Quixote de La Mancha, o cavaleiro de triste figura. Pois este romance escrito em poesia realista por Cervantes não idealiza um verdadeiro herói, pelo contrário, é uma paródia aos romances de cavalaria que estiveram em voga décadas antes da escritura do livro. Um homem decrépito, que se entrega ao prazer de "sonhar o impossível" lendo romances de cavalaria e perde o juízo, tornando-se o justiceiro andante. Quixote é uma sátira, uma comédia, produzida pelo grandioso talento de Cervantes. Um personagem tragicômico, a quem o pobre Sancho Panza tem que obedecer como "pessoa comum", ingênuo servidor que é. Na América Latina, daqueles tempos, certamente, o personagem Sancho seria um escravo, o seguidor fiel de uma Ideologia partidária.

Creio que eu usaria a triste figura de Dom Quixote de La Mancha, enlouquecida por leituras e sentimentalismo, como símbolo da "Síndrome dos criadores do Novo Mundo" na minha tese.



domingo, 4 de abril de 2021

Joio e Trigo

Sou do mundo dos sonhos, 

Dos símbolos, das fábulas.

Escuto a voz que ensina

Nas madrugadas,


Em lugares que desconheço

Num real que é seu avesso,


E disto sei que é preciso

Crer e descrer, duvidar

Como quem sonda

Os abismos do mar

Como fez Tales

De Mileto,

A mirar as ondas.


Cifradas mensagens,

Duplo sentido em imagens

Esboços obscuros

De planos futuros,

Desejo escondido

Em nebulosa paisagem,


Aí se confundem

Sombras e luzes

Pois disto

Se é composto,

Como os dois lados

De um rosto,

O Ideal que é o disfarce

Do seu oposto,

E a duração total

De um dia.


Crer e descrer,

Rejeitar profecias,

Sempre mais desvendar

Para chegar a uma fé

Que distingue verdades 

De fantasias.


sábado, 27 de março de 2021

Sobre União Europeia, Reino Unido, casamentos e separações

 Conversando com um amigo sobre a União Europeia, Reino Unido, e a luta das ideologias, ele defendia a separação do Reino Unido e criticava a União Europeia. Minha resposta, obviamente bastante primária, mas baseada em alguma leitura:

"Deixa, então, que te diga o que eu penso com base no que leio há muitos anos e sobre o que reflito. Acho maravilhoso que o Reino Unido se separe da Comunidade Europeia. 

O Reino Unido tem sido ao longo dos séculos um criador da Democracia, do pensamento liberal da melhor qualidade, fábrica de boas ideias sobre o valor intrínseco do indivíduo. Foi lá que Voltaire aprendeu sobre a possibilidade de uma pátria de homens livres, mesmo convivendo com a monarquia. Voltaire é em alguma medida um subproduto do pensamento britânico. Tentou transferir este espírito para o Continente e gerou, sem querer, a Revolução Francesa, uma vergonhosa e brutal experiência libertária, genocida. O Reino Unido foi o bastião da liberdade quando a intelectualidade francesa usava dúvida filosófica, pacifismo ingênuo, e mesmo contemporização criminosa, para lidar com Adolf Hitler.

A questão do continente europeu é por demais complexa. Durante os últimos séculos a Europa estava sendo o inferno da Humanidade, geradora de conflitos recorrentes e intermináveis. 

E dois  motivos eram fundamentais: primeiro, a tendência a um idealismo assoberbado, após a tentativa de destruição das bases culturais cristãs, que culminou no Idealismo Alemão, com as loucuras de um Hegel,  propagandeada por gente brilhante como Goethe, Heidegger, e posta em prática por Marx, Engels e seus antípodas nazi-fascistas. Foi deste arcabouço de idealismo, soberba intelectual, e sociopatia, que surgiram as ideologias do final do século XIX - início do XX, que deram origem aos totalitarismos da primeira metade do século XX, causando os maiores genocídios da História. O segundo motivo, uma verdadeira praga europeia, foi a política dos povos-nação, baseada em orgulhos tribais atávicos, com conotações raciais, e em valores provincianos ainda muito evidentes na Espanha, na Bélgica, na Suíça. Espírito de povo-nação desencadeando Nacionalismo guerreiro, ou seja, uma bomba, aliás milhares de bombas, ao longo dos séculos. Germanos contra francos, e vice-versa, castelhanos contra catalães, e vice-versa, bascos contra castelhanos, e vice-versa...num somatório sem fim de xenofobia e ignorância.

Os Americanos, com razão, chamam isto de "A Velha Europa". 

Pois, depois da carnificina genocida dos nazistas e da revelação de N. Krushchev sobre os crimes do totalitarismo soviético, os intelectuais europeus, abandonaram seus "ideais" de direita e, importantemente, de esquerda radical (comunista, especificamente) e se lançaram a um plano de transcender o espírito dos "povos nação" ao estruturar o que até agora tem dado certo, a Comunidade Europeia, uma união econômica e cultural de todos os povos e estados independentes, em torno de valores democráticos. Cada qual mantendo suas características e idiossincrasias. Sem dúvida, tem sido um imenso sucesso, baseado na liberdade dos mercados, mas também, de modo complementar, na manutenção de políticas sociais que assegurem qualidade de vida aos cidadãos. 

Segundo Arendt: "a União Europeia só foi possível quando a esquerda abandonou o Comunismo". Corre-se o risco de uma coletivização à gauche, tão amada pelos franceses como queijo fungado? Eu pessoalmente, tenho minhas críticas a algumas posturas progressistas em países como Holanda e Bélgica. As posições destes países poderosos deixam a gente atento, não? E o viés socialista, beirando o radical, está vivo, aliás, como nos Estados Unidos, entre os Liberais, o que é um total contra-senso. 

Mas no geral, a Comunidade Europeia tem sido uma experiência vitoriosa e creio que a Humanidade dorme mais tranquila com uma Europa unida. 

Eu, de minha parte, me sinto feliz de viver aqui.

Quanto a Albion, que continue ensinando à Humanidade sobre liberdade individual e sobre um Protestantismo empreendedor.  Grande abraço."



domingo, 21 de março de 2021

Anatomista do real


Quem sabe ver 

Sabe calar-se

Para dissecar o real,

O que se mostra

Ou se oculta

No disfarce do Ideal. 


Sabe ouvir,

Mais que as essências,

Às gritantes evidências.


E sabe ter o desencanto

Com ícones,

Ídolos, santos,

Gênios, profetas,

Causas, partidos,

Literárias utopias.


Despir a vida

Do ruído

Da militante poesia.


Sabe ver com

Olhos de águia,

Sabe ler

Verso e reverso,


Sabe ser

Um solitário

A dissecar o discurso.







Dias agrestes

 



Vidas desfeitas, corpos rotos,
Amor recôndito, em espera
De que o inverno dê seu broto:
Novos tempos, primavera.

Vejo a vida da janela
E pela janela dos olhos
Também a vida me vê.

Separados pelo vidro,
Estamos ambos cativos,
Querendo o vidro romper.

Sem pressa, suavemente, 
Dança a vida nos ciprestes,
É primavera, o sol amansa
Desesperanças agrestes. 


domingo, 14 de março de 2021

Revelação

Dúvidas minhas, 

Dúvidas da vida.

Como se separa o que eu sei

Do que nada se sabe,


Aquilo que pensei 

E o que me cabe 

Fazer?


O que é saber 

Com certeza

Se a própria natureza

Parece não se saber?


Só ao Homem cabe o dever:

Solucionar a dúvida da vida,

Para a vida poder se conhecer.

Salvar o irmão e a criança,

Não matar o irmão e a criança.


É em cada Homem que há 

Salvação

E Esperança,


E nisto não há ateísmo,

Isto é a essência do Cristianismo:

O maior dos Homens

Morreu crucificado, 

Sem haver pecado.


Por isto, cada ser humano,

Embrião, feto, jovem, velho,

É sagrado,


Joia única da Vida,

Consciência única 

A revelar à Vida 

Seu Mistério.

 


Lembranças de um médico brasileiro

Uma das coisas que se vê nestes dias difíceis são homenagens aos médicos do Brasil, os verdadeiros herois, e aos investigadores cientistas de todo o mundo, que dão sua vida ao esforço de buscar cura e prevenção de doenças, através, por exemplo, de vacinas.

Pois, eu me lembro de coisas bem diferentes num passado próximo.
Lá por 2013, em pleno (des)governo Dilma, tendo iniciado com alunos da UFRGS, Porto Alegre, alguns dos quais conheço, levantou-se uma onda de manifestações de "black-blocks", mascarados com bandeiras vermelhas, propondo o "aprofundamento das reformas populares". Vandalizaram as cidades brasileiras, queimaram, quebraram, picharam paredes. Um deles me disse que "estava indo a Brasília para decidir questões do movimento". Estes "black-blocks" tupiniquins, mais tarde vandalizaram Sampa em defesa das "reformas populares" propostas pelo Haddad, pichando inclusive o Monumento dos Bandeirantes; os do Chile, logo mais, queimaram tudo, incluindo edifícios e Igrejas.
Pois logo após estes lamentáveis eventos, o (des)governo petista, passou a gastar fortunas em Olimpíada e Copa do Mundo, ao invés "da bobagem de construir hospitais" (discurso do meliante, disponível na internet). Há muito tempo enviava bilhões de dólares para “obras” em países ideologicamente coligados (Cuba, Venezuela, Angola...), com o fim de amealhar poder político, e propinas através da Odebrecht. As verbas do BNDES, que devem servir a investimentos de infraestrutura no Brasil, foram usadas “sob segredo de Estado” para obras no exterior e geração de grana para o PT, com o objetivo de realizar os planos de poder do grupo do Foro de São Paulo (além de enriquecer os chefões, é claro).
Pois, no meio daquela barafunda, dentro do mesmo esquema, a gangue criou a campanha dos "Mais Médicos", pela qual, ao invés de contratarem os milhares de jovens profissionais médicos brasileiros recém-formados, e investir pesadamente em saúde pública e em melhorias no SUS (que dizem defender), resolveram trazer médicos (na verdade, paramédicos-escravos) cubanos para atender os brasileiros. A questão era clara, reforçar ainda mais os vínculos com aquela ditadura, mantendo o sistema de tirania dos Castro com grana dos brasileiros.
Para viabilizar o projeto, aquele partido criou “robôs” na internet, com slogans e depoimentos falsos, enfim, o que hoje se chama fake-news, para enlamear a Medicina Brasileira, enquanto aquela senhora (retardada, doente-mental ou medicada por psicotrópicos, até hoje não sei), dizia na TV que “os médicos brasileiros eram gente da elite, pessoas que visavam apenas o lucro, e não tocavam os pacientes, que lhes faltava amor”. Fui ofendido na internet por ser "médico brasileiro".
Nas redes sociais milhares de acólitos, incluindo adolescentes sem educação e professores universitários simpatizantes do partido, apoiavam estes absurdos, escorraçando a “elite médica brasileira”.
Por isso fomos às ruas com bandeiras do Brasil.
Para defender verdadeiros heróis da pátria, estes que salvam vidas, tratam pacientes com ciência qualificada, atendem nas favelas, nos hospitais de todos os níveis de complexidade, e nos centros de saúde de qualquer rincão por mais miserável ou violento que seja deste país-continente, e manter o direcionamento de verbas para a saúde pública dos brasileiros.

Os médicos brasileiros sim, estas pessoas que abraçam os doentes em plena Pandemia.
Por tais motivos, pelo que via acontecer na política brasileira entre 2013 e 2015, eu planejei pela primeira vez na minha vida seriamente, deixar o país. E assim o fiz.
Se tu és capaz de lembrar destes fatos, e de que conseguimos expulsar do poder esta gangue, com bandeira e hino nacional, ainda confio no futuro do Brasil.

domingo, 7 de março de 2021

o tornado da lumpencultura americana

 Confesso que assisti ontem um pedaço do filme Twister, cinema-catástrofe americano. E me dou conta de que uma boa parte destas besteiras falsamente científicas, estes comportamentos de risco, agitação social, e indução às drogas e à violência que marcam nossos tristes tempos tem sido inspirada pelo cinema americano, tanto os de segunda quanto de primeira qualidade.

Pois este filme é um retrato compactado disto: os heróis são um bando de adultos doidos se expondo a risco de morte, sendo salvos somente por um roteirista idiota, um diretor irresponsável e muitos efeitos especiais (hoje já bastante fraquinhos, claramente malfeitos). Sem isto, os personagens estariam mortos nas primeiras cenas. Os vilões são os "cientistas acadêmicos", mostrados no filminho como gente ambiciosa, politiqueira e incompetente. Dois destes vilões acadêmicos acabam morrendo, como deve acontecer com qualquer vilão de produção americana. Conseguimos perceber porque uma estupidez como o movimento anti-vacinas tem imensa multidão de seguidores naquele país. O filme é uma sucessão de clichês repetidos à exaustão, e ainda assim teve as maiores bilheterias em mil e novecentos e lá vai pedrada, tendo sido indicado ao Oscar.

Indo além do Twister, há todo um lado mais pesado do American Movie, a crítica ao "establishment", o qual poderia ser traduzido hoje como o "comportamento adequado". Estes filmes de "destruição dos valores burgueses" não se limitam mais ao cinema "noir". Mocinhos e mocinhas, descolados, bacanas, curtem sua maconha, os traficantes e bandidos são gente muito legal, heróis da contracultura, de bom coração, enquanto as pessoas "adequadas" são medíocres seguidores do "sistema".

Sem falar nas impressionantes culturas do rap, funk, e mesmo o lado mais escuro do rock, ou seja, toda uma "lumpencultura" que tem acabado com a vida de muito garoto e muita garota ingênuos, sem educação formal e familiar adequadas.

sábado, 6 de março de 2021

Confissões em confinamento

 Nestes momentos de grande sofrimento coletivo em nível mundial, expansão da pandemia e mortalidade imensas, confinamento quase absoluto, inicia a contar o efeito claramente positivo da vacinação em massa. Em Israel isto se torna evidente, e parece que em uma ou outra região da Andaluzia também, pelo menos nos lares de idosos onde os mais velhos, vacinados, deixaram de morrer como moscas. É um raio de esperança quando os confinamentos prolongados, tão difíceis para as pessoas e as Economias, vão se somando. 


Aqui, seguimos confinados, mas com quase um milhão de vacinados, confiando que logo mais, no verão, com a vacina, teremos obtido  a imunidade de rebanho, a matemática sagrada do R<1. 

Volto ao Brasil, meu país. As mensagens que recebo revelam sobretudo posicionamentos políticos que a descrição dos trágicos fatos, que não se restringem ao umbigo dos meus conterrâneos mas a qualquer canto deste planeta Terra.

O governador, que estava sendo elogiado, voltou a ser um lixo. O prefeito, idem. O presidente, vilão. O país está vacinando milhões de pessoas, mas isto ninguém cita. A gente é capaz de perceber nas frases e textos, especificamente pelo que falta nas mensagens, a coloração política de um e outro, como acontece com as torcidas de futebol: “o problema é que as pessoas estão enlouquecidas pelo confinamento” (ou seja, o político X tem razão de criticar esta medida, como se houvesse outra neste momento, com os níveis atuais de vacinação). Outro texto, escrito com talento, afirma: “as mortes por Covid diminuem no mundo todo, aumentam no Brasil"...(ou seja, o problema é o político Y...mas o texto conta uma um mentira, e todos sabem: a mortalidade neste instante só é artificialmente reduzida enquanto permanecemos confinados, em qualquer aldeia por menor e mais isolada que seja, quanto mais nas grandes metrópoles). 

Esta falta de uma parte do pensamento, esta sutil ocultação da verdade, é que preocupa: as pessoas, em nome do partido que torcem, distorcem a narrativa da realidade para obter algum voto em 2022, mesmo numa situação de vida ou morte coletiva nestes trágicos meses de 2021. 

Confinamento para mim tem sido um prazeroso exercício criativo, montando projetos, obtendo resultados, finalizando pesquisas, com aulas online, namoros com a paisagem, comidas gostosas feitas com calma, boa música, convivência de primeira, este gato Paquito feliz com os donos em casa. A constatação pura e simples de que a felicidade é um bem do coração e envolve coisas que a dona Rosa Miz me passou lá no bairro Menino Deus, Porto Alegre. E, embora haja mensagens e frases nas redes dizendo que a felicidade não é da alma, aliás que não há alma, eu, para mim chego à certeza do contrário em plena tragédia da pandemia. E sem time, sem partido, sem correntes de oração. 

Não sei se saio vivo desta, sinceramente, mas saio agradecendo pelos últimos bons tempos.

Grande abraço do confinado aqui aos amigos confinados daí!

domingo, 21 de fevereiro de 2021

A Nau dos Insensatos

O nível da politicagem no Brasil é alarmante. E a desinformação dos jornalistas, vergonhosa. 

O lobby dos "alternativos" que nos governos do PT acabou com a internação de pacientes com doenças mentais, preferindo tê-los atirados no chão das ruas do que num “hospital psiquiátrico”, volta à Política ao atacar um médico que reconhece a ECT como terapêutica eficaz e segura. A ECT desde o seu surgimento sofreu enormes modificações e atualmente tem reconhecidas eficácia e segurança.

Estes grupos ideológicos formado por pessoas ligadas à História e Ciências Sociais acreditam que não só a ECT,  como também medicação psicotrópica, prejudicam o paciente. Devem se basear nos filmes americanos da década de 80, nos quais o paciente era uma vítima aprisionada e o Médico, representante "do Sistema" era o vilão maligno a ser combatido. Alguns deste grupo são médicos. Vão à França fazer tese em Antropologia e História, mas de Medicina e Ciência qualificada pouco sabem. 

Formam uma das bases que grita nas ruas pela volta dos seus líderes, pelo parto domiciliar (que mata ou deixa sequelas em tantos bebês), pelo uso terapêutico da maconha (causadora de um quarto dos novos casos de esquizofrenia principalmente entre adolescentes, e também em adultos), e do alucinógeno ayahuasca, além de outras bombas, sem perceber a meleca absurda de suas crenças.  Além de muita homeopatia, florais, massagens sagradas, danças de roda curativas, o escambau.

Que o colega convidado ao cargo, profissional qualificado, sob ataque não só dessas pessoas, mas também de uma Imprensa incompetente, faça um bom trabalho, enfrentando esta “nau dos insensatos” como Foucault, um dos ídolos do bando, intitulou um dos seus livros (que eu me dei ao trabalho de ler décadas atrás).

Eles deliram e torcem pelo retorno de uma glamourosa Idade Média, sem vacinas e sem farmacologia, mas quero ver se no Brasil vários deles já não deram um jeitinho de se vacinar antes dos mais velhos...



quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

O vilão (ou joga pedra na Geni, joga...)

 A hipocrisia sobre o aquecimento global é o grande “negócio” do momento e deve gerar lucros. Como aqueles religiosos que pregam o que não fazem e são os donos das suas  “comunidades”, Europa e América do Norte imporem sanções a países que “ainda tem florestas nativas” é uma piada de mau gosto. 

Principalmente, transformar em vilão o país que continua a ter mais de 60% de suas florestas em estado nativo (contra o segundo lugar, Estados Unidos, que já consumiu 90% das suas, sem falar nos demais que se tornaram o império do eucalipto inflamável e do milho para biodiesel). 

Diga-se de passagem, o "vilão" conseguiu manter sua área de mata virgem e, ao mesmo tempo, tornar-se a maior potência agro-pastoril e agroindustrial da América Latina (e das maiores do mundo), quando povoou por migração interna o cerrado brasileiro (um imenso deserto tórrido, e sujeito a queimadas recorrentes, que Levi-Strauss denominou, como bom francês, de "Tristes Trópicos"). Coisas do JK, criador de Brasília, da gauchada que levou know-how, tecnologia e empreendedorismo e de muito brasileiro de primeira grandeza nascido em todas as querências.

Mas dizer algo contra idealistas poderosos é sempre perigoso.




Interessante texto da CNN

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Sem fantasia

Finjo não perceber,

Faço de conta

Que os olhos 

Não sondam

E a mente não ronda


O próximo passo,


Mas eu sei,

Ele vem entre

Neblinas 

Calçando os pés

Com nuvens

A ocultar-se

Nas esquinas,


Vem sussurrando

Sonhos,

Desaguando

Presságios,

O ainda

Não vivido.


Aguço o olhar,

Tento escutar,

Aspiro cheiros,

Silencioso 

Feito cão

A farejar.


Retomo 

Sonhados

Símbolos 

Para decifrar

Código, Língua,

Profecia, 


Mas sempre

Falho na gramática

E na sabedoria.


Pois, que venhas,

Revelado mistério,

À luz crua do dia,

Com tua face,

Nua das minhas fantasias.