terça-feira, 31 de março de 2020

COVID

Eu gostava muito de filosofia quando guri. Pré-Socráticos, idealistas gregos, Voltaire, Kant, Nietzsche, o escambau aos meus 16, 17 anos e até mais tarde. Com o tempo e o envolvimento com a Ciência Médica, minha visão sobre filosofia mudou. A filosofia, esta criadora de Sistemas, com seus aprofundamentos prematuros e seu palavrório refinado levou a imensos absurdos como os conceitos de Hegel e as desgraças dos totalitarismos. Estes pensamentos que deduzem possibilidades a partir de intuições, insights misturados com literatura, erudições livrescas, preconceitos, religiosidade e bondade, ou maldade, da alma humana, me deixam incrédulo, pois seus métodos são falhos. Minha única excessão é Hannah Arendt, que ainda leio de joelhos.
Aprendi a apreciar o pensamento indutivo, que retira das experiências, num laboratório, ou na vida, algumas reflexões ou conclusões, reconhecendo a falibilidade das mesmas. Sempre uma visão retrospectiva sobre a aparência dos dados percebidos. Como dizia Wilde, "só os tolos não crêem nas aparências".
Neste momento, o que eu consigo retirar da experiência COVID?
Que nunca, como agora, torna-se clara a importância, literalmente vital, dos conhecimentos científicos, das vacinas, da experimentação séria. É evidente a incompetência dos "curadores de tudo", dos explicadores profundíssimos sobre tudo, que resolvem o mundo em casa, sentados.
Fica clara para mim a maravilhosa ferramenta criada nas garagens de uns jovens americanos que revolucionaram de tal forma a História Humana que um império totalitário como a URSS veio abaixo. Possibilitaram a nós, seres humanos isolados por milhares de quilômetros, trocar sorrisos e afeto, como se estivéssemos numa mesma sala, assim desfazendo nossos medos e solidão. Criação dos novos tempos, desde antes deste vírus.
O mundo do amanhã começou neste passado recente, através do método científico e das novas tecnologias, e a mente humana, instrumento da alma, é maravilhosa ao solucionar problemas e gerar soluções para a vida de todos. E é justo confiar nisto.
O que eu tiro desta experiência?
É que todas as ferramentas dos tais "novos tempos" estão já agora em nossas mãos. Este momento é a tomada de consciência destas conquistas.
Basta nos irmanarmos para o futuro melhor, indo além das ideologias que têm produzido tanto mal.
E que venha a vacina, e os novos tratamentos!
Sem filosofices.

Dr. Carlos Chagas, minha homenagem

domingo, 29 de março de 2020

Poema de quarentena II


Móvel, o céu se redesenha
Em formas, cores,
Nuvens brancas, róseas, prata,
Que na imensa tela azul
São flores

Impermanentes 

Como as vidas e as dores
Da gente.

Fico a mirar a beleza
Que se cria, neste quadro
A transformar-se todo o dia,

Nesta abóbada que
Algum Michelangelo celeste
Pintaria.

Passam horas,
O azul entorna violetas
E tons de mar profundo,
Até que o cósmico negror
Recobre o mundo:

Negrume etéreo,
Engastado de mistérios
E diamantes,

Para a viagem dos sábios
E gozo dos amantes.





domingo, 22 de março de 2020

Poema de quarentena I

Olho a paisagem da varanda:
O paraíso próximo e distante
Brilha na luz de prata e diamante
Desta primavera que desanda.

O gato e eu seguimos os ciprestes,
Móveis braços de um regente
A conduzir as horas lentamente
Enquanto haja vento e tempo reste.

Somos grãos de poeira conscientes,
E, então, somos olhos do Universo,
Por uns dias, ou talvez eternamente.

E somos o que somos, luz e treva,
Lançando mensagens nestes versos
Para saber onde a correnteza as leva.