domingo, 30 de janeiro de 2022

minha poesia



Volto a ti, poesia, como quem retorna à casa:

O pátio enorme onde dizes ver a musa a bater asas,

O quarto onde silencias para sonhar o impossível

E a cozinha onde o digeres, nos levando a outro nível.


Trabalhas tanto em silêncio e quando volto tu me falas

Das novas coisas de dentro decorando nossa sala,

Dos caminhos que trilhamos, os rios, montes, cascatas

E ao falares é que percebo como a vida bem nos trata.


Tu és esta voz que me canta, e este coração que aquece

As horas frias da vida, és o sabor de ver que enriquece

O trivial das minhas horas, os pequenos detalhes mudos


Até que os vês, minha poesia, e pões a beleza em tudo.





sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

A Medicina do Novo Mundo (brincando com 1984)

Na distopia chamada 1984 do George Orwell, a Novilíngua (New Speak) era o idioma falado no Novo Mundo pelo IngSoc, o Partido Socialista inglês comandado por um ente, talvez uma pessoa, denominado Grande Irmão (o Big Brother), espécie de "herói do Povo". Entre as várias estratégias delineadas para a manutenção do Sistema, o Partido criou a Novilíngua para alterar não só a realidade, destruir o antigo sistema, como também para criar a Nova Realidade a partir de uma língua com as regras definidas pelo Partido. Deste modo todo o arcabouço que moldou o pensamento da ("arcaica") Civilização Humana seria destruído na sua essência, ou seja, o uso da fala que molda o pensamento, uma característica intrínseca dos seres humanos. Orwell escreveu este livro e criou este distopia cômica e macabra quando percebeu o que era, na verdade, o Socialismo real. Deprimido, isolou-se e escreveu 1984, até hoje um clássico da Literatura.

Seguem alguns exemplos da Noviníngua que Orwell criou. Um deles é o “Duplipensar” que significa saber que algo é errado e convencer-se de que este algo é certo, a ponto de se esquecer que é errado. Este exercício baseia-se no lema "Inconsciência é Ortodoxia". 

Outra joia da Novilíngua é “Impessoa” ou “Despessoa” que é “alguém que deixou de existir por ordem do Partido sendo todas as referências de sua existência apagadas dos registros históricos”.  Incluindo fotos, e, hoje em dia, manipulação de vídeos e gravações telefônicas, não?

Neste sistema “perfeito”, o “Ministério do Amor” era responsável pela supervisão das leis e da organização do Partido”; o “Ministério da Paz” tratava das questões de cunho militar, sendo fundamental, portanto, a existência contínua da Guerra e a criação sistemática de algum inimigo a ser atacado, embora o inimigo variasse e o de hoje tivesse sido o amigo de ontem.  O “Ministério da Pujança” era responsável pela administração monetária do Partido

Ao povo eram dados uma porção diária de alimentos, uma dose de aguardente,  liberdade sexual e livros com literatura ingênua produzida por escritores fieis ao Partido. As histórias incluíam novelas e romances que variavam quase nada de uma obra a outra.

E ao “Ministério da Verdade” incumbia a tarefa de “organizar as notícias”. A “organização das notícias” era feita pela mídia do Partido, ou seja, pessoas selecionadas para continuamente alterarem a realidade histórica (as notícias) de acordo com os interesses atuais dos dirigentes, em nome do Herói do Povo, o Grande Irmão. Por exemplo, alguns especialistas em imagem retiravam "despessoas" das fotos onde aparecessem membros do Partido. 

Como seria a Medicina neste 1984? Perdoe-me mestre Orwell, mas ouso brincar com isto...sou eu que me divirto:

A Medicina do Novo Mundo estaria "completamente liberada do arcabouço civilizatório arcaico", através do adequado uso da Novolíngua pelos expertos da "Neoética". A Neoética seria um método dialético que incorpora os opostos dos conceitos ao conteúdo dos próprios "conceitos arcaicos", de modo a ampliar o leque de opções de condutas e liberar o Novo Mundo dos desconfortos e impossibilidades gerados pela doença e sofrimento humanos. A situação de doença e sofrimento, neste Novo Mundo, seria um absurdo intolerável e experimentá-la constituiria “uma vida indigna de ser vivida”.

A Medicina Humana, através deste jogo transformador de palavras, seria dialéticamente fundida ("sintetizada", segundo o jargão filosófico) à “Medicina Desumana” (aqui conceituada como o sistema que trata os seres humanos como coisas, objetos, ou animais apenas). Isto com base no Novo Humanismo no qual deixa de existir o conceito arcaico de anima nobilis, um valor específico do Humano que para a civilização arcaica era simbolicamente descrito como "sagrado"

O Homem passa a ser o “animal humano” e a “Nova Medicina Humana” torna-se “Humana-Veterinária”. 

Assim, diante do impasse quanto a alguma “vida indigna de ser vivida”, o doente crônico ou incurável é eliminado, seja na velhice, na juventude, na infância e, mesmo, intra-útero. Uma  conduta valorizada por ser tanto eugênica quanto higiênica. E "piedosa", o quê na Novolíngua médico-veterinária passa a significar "assassinar para evitar o sofrimento" 

 A “alma humana” neste Novo Mundo significa “secreção neuronal”. O “médico” torna-se “um eliminador de vidas humanas”, de acordo com critérios de desejo do "cliente", valorizando exclusivamente o “primado da autonomia segundo a Neoética". Ou mesmo interesses do Partido, no caso de este “ser animal humano” ter algum distúrbio na “secreção neuronal” que o leve a cometer “crimes de ideia” ou de ação contra as regras do Novo Mundo e mereça tornar-se “despessoa”. Esquecer quem sofreu e morreu torna-se um critério de saúde no Novo Mundo. 

E isto em todas as idades. Os conceitos de “amor materno incondicional” e "respeito indiscriminado ao ser humano" são relativizados pelos responsáveis da Neoética passando a ser vistos como “instintos arcaicos” resultantes da “secreção neuronal”. Os expertos em Neoética elegantemente os fundem ao de “liberdade feminina de ser feliz”, ou seja, o direito da mulher, e do casal, de ter uma vida sem maiores sofrimentos, evitando o contato com alguém que tenha uma “vida indigna de ser vivida”.   

O Médico Humano-Veterinário é aquele que elimina este ser que infelicitaria a mãe, a família e no futuro seria fonte de gastos para o sistema e o Ministério da Pujança, enfim o Partido.  Assim, o Médico Humano-Vererinário torna-se um colaborador fundamental do Ministério da Pujança, fiel ao Partido. Nada mais de gastos imensos com pesquisas de doenças raras, de investigação em terapêuticas medicamentosas para morbidades de difícil manejo, em tratamentos paliativos demorados. Tudo muito rápido e sempre eficaz! Pum! Dinheiro sim para os sacrossantos interesses do Partido e dos felizes.

Por aí vai...Irei para algum mato selvagem, mas disto eu escapo!