terça-feira, 7 de dezembro de 2021

Ouvindo Sultans of Swing (e lembrando do primeiro contato com Londres)


Lembro da primeira vez que fui a Londres. Era um guri. 
Cheguei à Victoria Station no fim de tarde e perguntei onde conseguia um hotel. Naquele tempo não tínhamos internet, cartões de crédito, telefones celulares (telemóveis). Era uma aventura total, sozinhos no mundão. O rapaz das informações me indicou um hostel em Stockwell, bairro barato (na época). Frio, chuva, noite às 4 da tarde: enfim, Londres como eu imaginava. Mas o hostel era assustador. Uma residência de muçulmanos, com caras nada amigáveis para um brasileiro loiro, de olhos azuis e com um sorriso feliz, talvez ingênuo. Percebi logo que ali eu não ficava mais que uma noite. No outro dia tentei Knightsbridge, mais chique. Mas a espelunca era ainda pior: quarto compartilhado com vários, gente que morava ali, incluindo trabalhadores de outras áreas do Reino Unido.
Mein Gott! Eu tenho dificuldade de ficar hospedado na casa de conhecidos, mesmo de amigos íntimos. Mas não havia jeito: fui ao telefone público (aqueles vermelhos com janelinhas) e liguei para uns caras que moravam num subúrbio numa casa coletiva e que uma querida amiga havia me recomendado (lembro e agradeço até hoje a ela). Estes subúrbios de Londres onde a gente chega de trem, uma meia hora de viagem. Os ingleses eram legais, exceto um deles que um dia me olhou e diante de alguma coisa que eu disse sobre minha amada Porto Alegre respondeu secamente: “but I am British”…ri por dentro da criatura. Ah! E havia uma garota alemã que saía e entrava do quarto sem falar com ninguém. Pela primeira vez na vida (não a última) fui questionado pelos rapazes sobre o fato de tomar banho diariamente: “do you have any skin disease?”ao que eu respondi: “I take a shower everyday, even twice a day… I am Brazilian”. 

Uma noite, os rapazes, super queridos, me levaram a um clube que até hoje me traz a ideia dos encantos de Londres e sua peculiar Cultura. Um clube de bairro, onde os  vizinhos se reuniam para tocar e cantar jazz. Donas de casa, pais de família, gente da área, quem quisesse, cantando com alma e imenso talento. Eu assisti embevecido, e agradecia emocionado aos meus novos amigos.  Sultans of Swing sempre me leva àquela noite. 

Mas até hoje não sei se era a Grande Arte viva num bairro londrino, ou o efeito da cerveja quente em enormes copos que rolava. 



Long time ago...




Sofisma

 Quando o Dr. Albert Moll, neurologista e psiquiatra precursor da Bioética, em 1902 no seu livro Arzliche Ethik, referindo-se às centenas de experimentos eticamente questionáveis na Alemanha pré-nazista, trouxe à tona que a relação médico-paciente deveria ser um contrato voluntário entre iguais onde o critério fosse a autonomia, o que propunha era que o médico não poderia fazer com o seu paciente o que bem quisesse, necessitando da aprovação autônoma e bem informada do mesmo. Isto é autonomia. 

Porém, um mórbido jogo de palavras, distorção conceitual, transformou este contrato autônomo em alguns países num dever do médico de acabar com a vida de seu paciente caso este último assim o deseje. Contorcionismo pseudo-filosófico, sofisma destruidor da essência da Medicina que é o cuidado do ser humano doente até o fim de sua vida. 

O suicídio é voluntário e cada qual é responsável por uma escolha destas. Se há alguma coragem em dar cabo à própria vida diante das dores que a compõem, que seja então o suicida o responsável único por isto. 

Jamais submeter a Medicina, e a autonomia de um cuidador aos desejos auto-destrutivos de outra pessoa. 

Jamais tornar o médico aquele que empurra pessoas do alto da ponte. O médico deve ser, isto sim, o profissional gabaritado e competente para sedar a dor física e emocional. Tarefa da dimensão que a Medicina merece.