quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

As linguarudas

E a gente vai pensando, aprendendo e mudando. Eu era o guri mais extrovertido e ingênuo deste mundo, como muitos de vocês. Dava-me com todos, era o amigão de todos, o eterno confiante. Mas ao longo dos anos, identifiquei um traço de personalidade em algumas pessoas que foi me tornando um tanto "bicho arisco". Chamavam antigamente as pessoas com este tipo de personalidade, pelo menos em Porto Alegre, de "linguarudas", adjetivo ou substantivo para designar o atento observador e crítico da vida alheia. Este detalhe é importante: especificamente da vida alheia, pois o linguarudo ou linguaruda (hoje sei que a doença afeta ambos os sexos) não consegue ver um palmo diante do nariz sobre sua "própria casa". O sinônimo hoje seria fofoqueiro. 

Lembro de uma "linguaruda", que passeava todo o dia pela rua Rodolfo Gomes, no Menino Deus. Chamava-se Dona Mosmé. Que Deus a tenha. Minha mãe tinha a paciência de ouví-la. Chegava de mansinho, muito suave e sorridente, e se aproximava da Dona Rosa (la mamma mia) e passava a falar baixinho, como que para ocultar as novidades que trazia sobre a vida de alguns vizinhos, como se não fosse repassar adiante o relatório para a vizinhança toda. Ela era uma "fofoqueira full time". Não fazia nada mais que fosse. Pois Dona Mosmé, ia falando e puxando uns fios do casaco da minha mãe, ou limpando o ombro da sua paciente ouvinte com o dedinho indicador, trazendo à tona alguma mazela oculta da vizinhança: "Rooosa, tu sabes que a desquitada está de namorado novo? sabes que o seu Manoel anda pelos bares da Azenha? Que o Chiquinho é...?...etc., etc., etc.). Nunca ouvi minha mãe passar as observações atentas da Dona Mosmé (espero, mas eu era pequeno...) 

Uma realidade que a vida ensina é que para cada um de nós há sempre um cortejo de linguarudos, estes intermediários da desinformação, ou da informação transmitida fora do seu contexto real (como sempre o é um dado que diz respeito à experiência -intransferível- de outra pessoa). 

Ao longo da vida, tenho sido, de algum modo, vítima de linguarudos, que projetam seus defeitos mais secretos nesta pessoa aqui, cuja vida não lhes diz qualquer respeito. E é interessante que a fofoca sobre nós mesmos, as vítimas, sempre nos chega aos ouvidos, ou aos olhos, por informantes atacados pelas Mosmés desta vida. Porque, como li em algum lugar:

"Quem fala mal da vida dos outros para ti, fala mal da tua vida para os outros". 

Passei a deletar pessoas assim, e a ir com calma nas novas relações, buscando identificar o tal traço psicológico nos viventes, um tipo de ansiedade invasiva...Cheguei a dizer, numa ocasião, a algumas colegas que vieram me repassar más histórias da vida alheia: "-olhem, vocês estão perdendo tempo comigo. Ninguém nunca saberá do que vocês me contam. Eu não tenho o mínimo interesse. Nisto, sou um inútil assumido." Vi seus olhares de desapontamento.  

Este é um dos meus defeitos: sou (não apenas) metaforicamente um surdo para os juízes da vida alheia. Graças ao bom Deus.



quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Um prometeu diverso

Deixo meu coração depositado

Sobre o altar de algum deus

Ainda e sempre amado.


O que me fala nos silêncios,

Aconchega-me em seu berço,

E me diz: sou o amigo.

 

Deus que desconhece crenças,

Religiões, ideologias,

Deus a brotar em minha alma

Dia a dia.


E assim é desde menino:

Este templo interno e vivo

Onde me surgem os sonhos

E eu desperto renascido.



Autoria

 Ninguém te dirá se tua Arte

Vale tanto, ou menos que isto, ou mais.


Tua Arte é da tua vida, 

A escrita tua, a tua voz própria,

O trêmulo ou seguro traço

Só traçável por tua mão, 

Com gesto do teu braço.


Autêntico como um cheiro, 

Ou forma de falar, olhar único

De esgueira. 


Crias de ti mesmo uma bandeira.


Andas só, em tua sabida rua,

Expões tua história em arte e verso,

A imperfeita anatomia da tua alma nua,

Astronomia do teu (uni)verso.




sábado, 18 de novembro de 2023

Oito anos de Portugal, Covilhã


Dei-me conta, fazendo minha (sagrada) caminhada matinal, que exatamente nesta data há oito anos atrás eu chegava à Covilhã, no centro de Portugal a convite da Universidade da Beira Interior - UBI. Aposentei-me por tempo de contribuição no Brasil, e resolvi aventurar. Pourquoi pas? O Gustavo, que havia vivido em outros países, incluindo o Brasil, me dizia que eu era de um lugar só, que havia nascido e vivido toda a vida em Porto Alegre, embora tivesse viajado para boa parte da Europa e América Latina. Eu, como bom canceriano, era sim homem do Menino Deus e do Bonfim e também tinha minhas dúvidas. Em Porto Alegre, morando no Bonfim há décadas, tinha meus parques, "meu clube com minhas piscinas, meus restaurantes" (ou seja, um útero urbano), além da convivência deliciosa com amigos e familiares, em jantares e almoços memoráveis. 

Bem, a verdade é que nos últimos anos, Porto Alegre desgovernou em termos de violência, eu mesmo fui agredido e roubado. O Bonfim (algo inacreditável para mim) foi palco de assaltos armados, etc...tudo o que empesta e impossibilita uma vida tranquila em qualquer grande cidade brasileira. 

Mesmo assim, tinha além de dúvidas, 59 anos bem vividos. Pensava em ir para o Uruguai, onde temos uma casa na região de Colonia. Amo o Uruguai, amo a região de Colonia. Pensei em montar meu ateliê de Pintura e Poesia, dedicar meus anos futuros a ler filosofia, e caminhar pelas ruas seguras (naquela época) de Carmelo...O Gustavo, lúcido, porém, me disse: -"tu tens uma atividade intelectual continuada na área da Pesquisa Médica. Em seis meses, o Portoalegrende aí vai estar deprimido."

Pois bem, nos acertamos: vamos tentar Portugal, terra dos meus avós paternos, cujo sotaque eu trazia nas memórias da infância e da adolescência, assim como o gosto por comer filhozes, bacalhau, beber bom vinho e ler Fernando Pessoa, Eça, et caterva…

Antes disso, nos reunimos com o amigo querido Fernando Baril para um jantar no Barranco. Contei a ele minhas dúvidas: o pequeno ateliê de Pintura em Colonia, ou continuar no batente em Portugal. Ele me disse, com aquele olhar maroto que tinha: -"talento tu sabes que tens, e eu reconheço, mas qual teu curriculum vitae em Pintura? Achas que vais te fechar num ateliê a pintar e ficar famoso em Colonia de Sacramento? Se optares por isto, eu estarei contigo e te darei toda a força, mas pensa bem". Foi uma opinião verdadeira e bem vinda como a picanha que comíamos. 

Então, montei minha saída, enviei currículo de médico pesquisador para a Universidade onde trabalho porque vi que dispunha de um baita labotarório onde eu podia seguir com meus projetos, o CICS-UBI - Health Sciences Research Centre. Além de ensinar, como ensinava na UFRGS, desta vez integralmente, na Graduação e Pós-Graduação. Recebi resposta depois de duas semanas: sim, temos interesse em que venha.  

Gustavo e eu pensávamos: como será morar numa "pequena" cidade (pelos moldes brasileiros) de 60 mil habitantes no interior do país? Tínhamos dúvida se nos adaptaríamos. 

Houve um evento internacional sobre Colestase Neonatal, com presença de colegas de todo o Brasil e de outros países, em minha homenagem...e um jantar inesquecível na residência da querida mestra (para toda a vida) Themis Silveira. Joias guardadas no coração.

Pois viemos, inclusive o Paquito, que viajou umas 20 horas na sua caixinha. Longas histórias.

Aqui chegamos e nos encantamos com o tal "interior de Portugal". Interior que nos coloca no centro de infinidade de rotas por estradas perfeitas, circulando a Lisboa, Porto, Coimbra, de imensos tesouros culturais. Menos de duas horas a Salamanca, quatro de Madrid. Visitas recorrentes à Galícia, Astúrias, Cantábria...Paris e todas as cidades europeias a preços baixíssimos. E as milhares de pequenas cidades, aldeias e vilas de Portugal e fronteiras de Espanha, cada uma mais maravilhosa e surpreendente que as outras...E num ambiente de segurança pública sem defeitos...Senti como se tivesse tirado um peso de insegurança das minhas costas. Cuidados de Saúde que nunca imaginei: um Ambulatório Hospitalar na frente da casa, onde são realizados exames sofisticadíssimos solicitados por nosso "médico de família". Vacinação planejada pelo Serviço Nacional de Saúde, que nos envia datas para todas as vacinas, incluindo a Moderna que fiz ontem na farmácia ao lado de casa, obviamente gratuita.  E piscinas, e SPAs, e lindos parques e uma boa casa com amplas vistas.

Enfim, a "pequena" Covilhã revelou-se uma metrópole linda e espetacular para se viver, cercada por campos deslumbrantes.

Portugal, a Europa, foram maternais e gentis conosco, e Gustavo e eu recebemos a Cidadania Portuguesa em menos de 6 meses. 

Continuo minhas pesquisas, enquanto houver desafios.

Mas de uma coisa não abro mão: vou montar meu pequeno ateliê de pintura e poesia, desta vez aqui pela Península Ibérica. Aguardem!


Obrigado Covilhã, obrigado Portugal, obrigado União Europeia! O Canceriano aqui reencontrou seu berço e está feliz.

Única manhã

Eu me levo pela mão nesta manhã

Porque é hora de me deixar levar

Sem esperanças, 

E conhecer 

O que me desconheço, 

Num brinquedo de criança.


Sem escavar teorias ter respostas,

Sem ideologias ver o Sentido

Que me conduz sempre que brota

Novo verso ao ser tecido.


Foram-se as mágoas e os medos,

Rixas internas e externas,

Que me cegavam para o enredo

De verdades óbvias e mais ternas.


Calam-se os livros, os filósofos,

Os gurus, calam-se os ídolos,

Os curas, os papas, os imãs,

Calam-se os políticos e ideólogos,

Cultos e incultos, calam-se todos,


Na minha única manhã.


sábado, 14 de outubro de 2023

As Cores II (Ode aos cinzas)

Amo as cores a combinar-se recriando o Espectro, 

Ou a exibir-se com as nuanças dos matizes puros, 

E amo o cinza em todos os tons, de chumbo ou prata,

Cinza de névoas a proteger-nos do sol duro.


Cinza das nuvens, cinza crômio, cinzas Outonais

Em que o rosa, por amor, irmana-se com os grises

E entretons de amarelo nas bordas quase brancas

De imensos cúmulos-nimbos desfazendo o calor. 


Cinzas grafite das pedras, paredes, ruas, estradas,

Enfeitiça-me o cinza que se torna azul ao longe

Ao dar volume às distâncias colorindo-as com ar. 


Amo o cinza nas vestes, neutra cor das elegâncias,

Nebuloso oposto das ânsias, tesões da cor a berrar. 


O humilde cinza que some para o conjunto brilhar.



sexta-feira, 6 de outubro de 2023

“Causos” de Porto Alegre

Eu e os meus "causos", como diz o gaúcho. São algumas das minhas experiências de vida.

Boa parte da minha vida adulta, morei no Bom Fim, o “Bonfa”, bairro judeu de Porto Alegre, um tanto boêmio e intelectual, com seu imenso parque, a Redenção. Cruzava diariamente com a dona Sarah, o seu Jacó, o músico tal, o artista plástico X, enfim...Ali vivi experiências difíceis como cada ser humano viveu, e também tive vivências maravilhosas e enriquecedoras. 

Ali fiz minhas teses de mestrado e doutorado, criei meus bichos amados, tive amores e fui amado. 

Enfim, um bairro inesquecível, com piscinas, gente a andar pela rua, agito, passeatas, bons dias, olás, cafés e restaurantes...vizinhos e vizinhas tantos que chegavam a ser passantes desconhecidos. Uma das vizinhas, dona Esther, que morava atrás de nosso apartamento na Fernandes Vieira, um dia, quando eu cheguei do trabalho, estava sentada no banco à frente do edifício, e me olhou sorridente e curiosa e perguntou, com seu sotaque que eu diria de iídiche: 

- o senhor é alemão, não?

Eu a olhei, curioso, e lhe disse:

- Dona Esther, eu sou uma mescla de italianos da Lombardia que na verdade eram em parte austríacos, e de portugueses. Alemães, alemães não somos.

Ela sorriu, seu rosto suave, e me disse:

- Ah! austríacos...eu "era" alemã. Nasci e passei boa parte da minha vida na Alemanha; lá viveram meus familiares por muitas gerações. Até que houve a guerra...

E dona Esther puxou um pouquinho a manga da blusa e mostrou-me o frágil pulso direito onde havia um número escrito:

-Eu fui prisioneira de Auschwitz.

Uma revelação que me deixou perplexo, ao ver a delicadeza desta vizinha alemã a compartilhar comigo, seu vizinho de porta, as memórias dolorosas que ela guardava e revivia. E a vergonha do mundo inteiro.


Por falar em vergonha do mundo, numa outra vez foi a vizinha do andar de cima. Uma jovem mulher, muito bonita, divorciada, que vivia com suas duas filhas, também lindíssimas. Eram muito simpáticas e eu acompanhava, mesmo sem querer, o crescimento da mais jovem, que já tinha um namorado, todo atlético e bonitão. À medida que amadurece, a gente fica preocupado com o futuro da garotada nestes tempos caóticos, em que os valores da civilização vão sendo consumidos por ideologias selvagens. E ficamos torcendo para que estas joias lindas não percam o rumo,  e não se destruam nelas os bens mais preciosos que a vida pode oferecer. Pois bem, um dia, a mãe desta família pediu-me algum tempo para conversarmos. Concordei.

Nos reunimos em sua casa e ela se abriu.

- Jorge, queria falar contigo...como médico.

-Por favor, fale comigo como médico e amigo.

-Pois bem, minha menina, a mais jovem, está grávida.

Quase sorri pela bela revelação, mas evitei. Ela continuou:

-Meu ex-marido é um homem rígido, um tanto grosseiro, e por isto nos separamos. 

-E?

- Ele é deprimido crônico, usa medicação, faz tratamento.

-Sim...

- Ele não vai suportar a notícia de que nossa filha está grávida. O rapaz é um irresponsável, dependente dos pais e nem quer saber. Sumiu. Meu ex-marido pode se matar ou fazer uma loucura. Eu queria saber se tu podes indicar algum colega teu para fazer o aborto...

Algo subiu à minha cabeça e eu fiquei, digamos, muito indignado, por ser colocado numa posição decisória quanto à destruição de uma vida humana, por causa de um namorado "vagabundo" e de um pai "violento e deprimido". Mas como tenho anos de traquejo em ser o que sou independente do que os outros esperam, independente da “persona” que os demais impingem a um "médico liberal", disse-lhe com carinho:

- Amiga, eu sou um Pediatra, que significa ser o “protetor das crianças”. Eu não faria algo assim com sua filha, nem com o bebê que pede para vir ao mundo. Independente de qualquer questão religiosa, como médico que ama as crianças, e adolescentes como tua filha, eu não sou a pessoa que pensas que sou, que procuras, eu não posso te ajudar. Se pudesse te dizer algo, é: assumam juntas este bebê, sejam apoio umas a outras. E dane-se o rapaz irresponsável. Quanto ao teu ex-marido, que ele vá mesmo se tratar e não incomode neste momento tão especial de vocês como família. Que busque um psiquiatra melhor. Se quer se suicidar, uma pena, mas ele é adulto. O bebê que vem é o mais frágil.

Ela sorriu, triste e um tanto surpresa, e me disse apenas: 

-Vamos pensar. Mas obrigado.

Saí dali sentindo-me afetado, quase um culpado por complicar ainda mais a situação daquele grupo de pessoas. Um insensível, rígido. Mas refleti para mim mesmo: é o que eu sinto em profundidade; esta é a minha palavra verdadeira e eu seria um farsante se fizesse diferente.

O tempo passou e houve um silêncio na nossa relação de vizinhança. Até que um dia vi a linda filha curtindo sua barriguinha ao sol da manhã. Quase chorei, mas me mostrei impassível e desapegado:

- Bom dia, eu disse.

E a garota, sorrindo, respondeu me olhando nos olhos:

- Bom dia.

Vários meses depois, fiquei sabendo do nascimento e conheci aquela bebê tão linda como a avó e a jovem mãe, digamos também, com uns bons traços do belo avô. 

A mãe um dia chamou-me para outra conversa de vizinhos:

-Jorge, eu queria te agradecer. Não sabes o bem que nos fizeste. Tomei coragem e falei com o ex-marido. Fui forte, firme, empoderada. Ele inicialmente ficou furioso, mas dois ou três dias depois veio visitar-nos e passou a mão sobre o ventre da filha.

Jorge, o nascimento da nossa neta foi a maior bênção para nós todos...e especialmente para o meu ex-marido. Ele é apaixonado pela neta, como o é pelas nossas filhas. A neta é a alegria da vida dele.

O poeta aqui tremeu nas bases e, emocionado, respondeu:

-Que alegria imensa saber disso, ter feito parte da história de vocês.

Soube que o bonitão, irresponsável e vagabundo, voltou a buscar a belíssima jovem mamãe, mas ela nem quis saber. Havia coisas melhores neste mundo, incluindo algum pretendente trabalhador e amoroso. E o amor de sua família. Ela já trabalhava e cuidava da  sua filha. Assim é a vida, rapazes. Hesitou, perdeu a joia!


Estas situações fazem a vida de um médico valer a pena. E não deixar que a profissão torne-se terreno do crime, mais uma vergonha para este mundo triste, cada vez mais medíocre.

segunda-feira, 8 de maio de 2023

Alquimias II

 Para haver a Alquimia eis o procedimento:


Tecemos a vida de dentro para fora

E a vida nos tece de fora para dentro.


Então nasce, no mundo, a obra da História.


Maestria e memórias, o Ouro, no centro.


terça-feira, 25 de abril de 2023

A Revolução dos Cravos

Assisti um documentário no Netflix que me fez refletir sobre a grandeza diferenciada de certos povos, certos países, e sobre a Revolução dos Cravos, data hoje comemorada em Portugal.

O filme que vi e recomendo é Drottningen Och Jag, realizado pela famosa cineasta Iraniana-Sueca Nahid Persson. 

Para o filme, durante longo tempo, Nahid entrevistou aquela que foi imperatriz do Irã por 30 anos, a ainda bela Farah Diba, até que o regime monarquista sob o comando do Xá Reza Pahlevi foi substituído pelo dos aiatolás, a começar pelo Khomeini. 

Durante a minha juventude, a informação das mídias internacionais descreviam o regime corrupto da monarquia iraniana, o que tinha algo de verdade, e não houve família mais execrada em termos midiáticos e políticos que os Pahlevi. Até que a oposição desencadeou a "Revolução Gloriosa", destituiu o xá,  e a família Pahlevi teve que buscar exílio em diversos países. Os responsáveis pelo golpe constituíam-se de um bando heterogêneo formado por fanáticos islâmicos, socialistas incendiários e criminosos sob às ordens da URSS que tinha interesses em alargar seu poder e território, com a ingerência de alguns países ocidentais poderosos. Pois a revolução resultou num Totalitarismo religioso, que dura décadas naquele país e executa mais que torturas, também assassinatos em massa de opositores e abolição das liberdades individuais. Isto se sabe e se divulga agora, mas naqueles tempos estes criminosos eram os heróis dos intelectuais de esquerda. A velha história. 

Pois a cineasta era uma jovem comunista que lutou pela Revolução e foi sua vítima logo após, tendo conseguido fugir do Terror para Suécia. Farah Diba (Pahlevi) e Nahid Persson, duas iranianas confrontam seus passados e presentes com uma grandeza emocionante. O carisma de Farah Diba mantém-se inalterado. Recomendo o filme.

Mas o que refleti não foi só isto. 

As revoluções recorrentemente têm prometido concretizar o céu na terra e acabam empurrando países ao inferno (vide a América Latina de hoje). A intelectualidade tem sua responsabilidade nisto por amar as ideologias mais que a realidade possível, dentro de um idealismo quixotesco.

Pois o que me encanta neste dia é a grandeza de um país que nos recebeu como lar: Portugal. 

Sua Revolução dos Cravos é ímpar, única na História desde a primeira das grandes revoluções da Idade Moderna, a Francesa. 

Uma revolução pacífica, com seus ideais socialistas libertando os portugueses de uma ditadura prolongada, sem armas, sem mortes coletivas. E os resultados prometidos, claro, depois de grandes dificuldades e mesmo erros (como não haver erros?) foi realmente Liberdade. 

A União Europeia trouxe a Portugal, como à maioria dos países da Europa, a garantia de um clima de respeito às diferenças e de progresso coletivo, concretizando a estabilidade numa vasta parcela do mundo. Uma imensa comunidade de países, em um contexto de Liberalismo com fortes políticas sociais. Nada a ver com o socialismo coletivista da primeira metade do Século XX, que gerou (e ainda gera) miséria, tirania e exílio às populações. 

Como refletiu Arendt: "a Comunidade da União Europeia só surgiu quando os socialistas finalmente desistiram do Comunismo". Eu humildemente acrescentaria: quando a força dos fatos obrigou a uma ação Política que visa o melhor da realidade e abandona a "mentira sistemática".

Quem incomoda neste momento é aquela mesma URSS, ainda transvestida de democracia, ainda a ditadura da Mentira. 

Portugal, e a Comunidade Europeia, souberam conjugar o que há de melhor até agora dos ideais Humanistas aplicado à Política e à Economia.

Portugal tem exatamente este espírito: um grandioso (pequeno) país que soube cumprir o seu melhor destino. Lembrando o poeta, Portugal cumpriu-se. 

Parabéns, querido Portugal, pela Liberdade e o bem-estar social! 

Viva a incrível, benigna Revolução dos Cravos.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Apenas um semi-analfabeto corrupto e falastrão?

Depois de grande polêmica sobre Lula discursar numa celebração do maior valor para Portugal, eu me pergunto:

- Como pode um ex-presidiário, julgado e condenado em 3 instâncias pela Justiça Brasileira (a porção realmente qualificada da Justiça), liberado apenas num esquema político por um tribunal formado por indicação política, discursar em uma das festas máximas de Portugal?

- Como pode discursar o ex-presidiário, após as declarações em que ataca as condutas excelentes (do ponto de vista ético e legal) da União Europeia e dos Estados Unidos, e dos demais países realmente democráticos, em relação à criminosa invasão da Ucrânia pela Rússia. 

Sabe o governo Português o que está por trás disso, em termos de interesses comuns dos criminosos russos e os dos países latino-americanos talvez mancomunados?

Além da mediocridade intelectual do falastrão brasileiro criador de cizânia, de suas opiniões toscas, de seu mau uso da língua Portuguesa, o que se esconde por trás deste discurso absurdo e incorreto? Quais suas verdadeiras intenções de Poder?

As relações políticas deste sujeito têm sido os Castro, Chavez, Maduro, Ahmadinejad, al-Gaddafi, a corrupta família Santos de Angola.

Admiro o presidente Marcelo Rebelo de Souza, mas vê-lo literalmente curvando-se para fazer honras a essa pessoa me pareceu uma fraqueza por demais ingênua.

E eu tenho me perguntado nestes últimos dias:

-Como podem os Portugueses, entre os quais eu agora me incluo, compactuarem com um discurso que tenta dividir os europeus e os norte-americanos, aliados numa causa justa de libertação da Ucrânia invadida por criminosos das máfias russas?

Como um homem desse tipo discursará ao digno povo Português?!

Eu não esperaria outra postura de alguém como aquele sujeito, mas confesso que jamais esperava uma posição assim de Portugal e de sua imprensa.

Os europeus devem despertar desta fantasia de imaginar Lula um grande homem injustiçado por "fascistas". Ele não é um injustiçado, nem são fascistas mais da metade dos brasileiros incluindo os mais lúcidos, os quais merecem respeito. 

Torço pelo Brasil, torço por Portugal e pela Ucrânia.

sábado, 25 de março de 2023

Puer aeternus 3

 Vejo-me a envelhecer. 

As mãos que eram as minhas

Amarrotaram-se, e manchas marcam a pele.

Dói-me joelho, dói-me anca, dói-me às vezes

O pensamento. 


Mas canta igual, com o versejar que tinha

Ele mesmo, o infante a festejar nos meus poemas.


Voz de cristal, criando estrofes, sondando temas, 

Em Arte e Ciência, ele mesmo,

O eterno piá que, ao não crescer, 

É bem verdade, deu-me problemas,


Mas vejam só, a criança interna, 

Tão sonhadora e inda pequena,

É que, ao criar, sempre a brincar,

Faz-me sorrir, a cada dia,

Nas minhas penas.






sexta-feira, 3 de março de 2023

Curriculum vitae

Desde que me conheço por gente

Era um piá escrevente, 

Leitor faminto

Um tanto descrente,

Buscando palavras

Para expressar

O que vinha à mente


Ao observar esta vida

E tentar desvendar

Os segredos

Da eterna mutante.


Além das escritas

Produzia rabiscos, esboços,

Desenhos, manchas,

Pinturas, 

De cada mão, cada olhar,

Sorriso, ou postura,


 Céu, rio, rua,

Sentimento,

Para alguma folha 

Ou tela nua.


E ainda sou

O rabiscador

Do que vai neste mundo,


Com a alma na lua.


quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Abuso sexual de menores em casa e, se não bastasse, na Igreja.

Para contextualizar aos amigos que se perguntam porque escrevo tanto. Por um lado, pelo gosto que tenho desde guri de pensar, ler e escrever. E, com a existência destas redes sociais, passei a publicar no Face book e neste blog que tenho.

Mas neste caso específico, escrevo porque em 1993 criei no Hospital Cristo Redentor de Porto Alegre, um hospital de Trauma que atende as zonas mais carentes de minha cidade, o "Grupo de Proteção à Criança e ao Adolescente". O grupo tornou-se e se manteve uma realidade por décadas, incluindo profissionais da saúde como psicólogos (maravilhosos), enfermeiras (excelentes), técnicos de enfermagem e assistentes sociais, tendo apoio dos agentes do Ministério Público do Brasil, com base na regulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Cada paciente vítima de trauma, ou em qualquer sugestão de abuso, era criteriosamente acolhido e investigado, obviamente com atenção às questões éticas, para identificar violência ou abuso sexual extra- ou intrafamiliar. E assim fizemos, encaminhando inúmeros  casos ao Ministério Público e Conselho Tutelar. Foram décadas de trabalho, envolvendo a coleta de história clínica e psicológica, exames físicos e de imagem, investigação do meio comunitário das famílias pelo Serviço Social, da situação real em que as crianças viviam. 

Confesso aos amigos que até hoje sinto que esta tarefa, que iniciou sem muita expectativa, tornou-se a coisa mais linda e valiosa que fiz como profissional médico e pessoa.

Centenas de casos encontramos e encaminhamos.

Como dizia o querido amigo Prof. Mosca, embasado nas  suas leituras do Budismo Tibetano: "Os médicos não vão para o Céu porque conhecem o Segredo dos deuses". Uma frase lapidar.

Aqueles anos de trabalho no Grupo de Proteção aos menores abriu nossos olhos para a realidade, além da cotidiana violência, sobre o abuso sexual dos pequenos dentro de casa, com a conivência das suas mães dependentes emocional e financeiramente de  maridos ou "companheiros". Esvaiu-se a ingenuidade sobre a sacralidade da família. 

A realidade é trágica e o pior é que, após o processo judicial, as vítimas eram frequentemente re-encaminhadas ao "sacrossanto reduto do lar", ou seja, aos seus abusadores, por juízes despreparados, que pareciam desconhecer, ou negar, que a pena para o abuso sexual de menores no Brasil é cadeia.

Por falar em sacrossantas, este "médico que não vai para o Céu" aqui, ficou sabendo que, havendo-se trazido à tona a questão dos abusos sexuais na Igreja em Portugal, houve pelo menos 4.800 queixas de abusos perpetrados por padres da "Santa Madre". 

E por que a Igreja? Por que não os pastores protestantes, os monges zen budistas? Por que a Igreja, vocês não se perguntam? 

Um motivo pode ser que não se investiga nos outros grupos religiosos, mas sinceramente não creio. Ou seja, a causa não se relaciona a uma crença religiosa, à crença em Deus, ou ao Cristianismo especificamente, mas sim a uma questão particular relacionada à Igreja Católica.

E aí trago uma referência importante, publicada em 1946 pelo filósofo Bertrand Russell, intitulada "A History of Western Philosophy"

Eu, por curiosidade, tentava antes entender onde e porque o Celibato obrigatório tornou-se uma regra fundamental da Igreja Católica, e só na Igreja Católica. Os apóstolos de Jesus tinham vida sexual, filhos. Quanto a Jesus não se tem certeza, nem deve ser uma questão relevante, ainda mais se sabendo que os textos do Evangelho foram retorcidos, recriados, visando a produção de um tipo de ideologia, a tal ponto que Maria, mãe de Jesus, foi "tornada virgem". Eu tentava desvendar isto e consegui a resposta com o grande Russell.

Pois bem, deixando o lado "sacrossanto", descobri que a obrigatoriedade do celibato na Igreja só surgiu no século XI, uma era terrível para a fé cristã, quando a Igreja, por exemplo, utilizou o Terror totalitário contra populações consideradas hereges como os Cátaros, dizimando-os. E obrigou os padres e freiras ao Celibato. Portanto, o celibato obrigatório para padres e freiras na Igreja foi instaurado no século XI por interesses econômicos, visando a evitar que as heranças das possíveis famílias dos religiosos (muitos deles oriundos da Nobreza) passassem para as proles de herdeiros. As fortunas permaneceram na Igreja, para o bem "da causa".

Ou seja, há 10 séculos um grupo imenso de seres humanos passou a ser proibido de amadurecer sexual e emocionalmente através da experiência dos amores familiares e, por que não, extra-familiares (direito concedido pela vida a cada um de nós, seres humanos).

Esta tragédia humanitária que envolve a estruturação da Igreja Católica pode ser a causa de que pessoas, apesar de serem devotadas sinceramente ao Sagrado, tornem-se agentes de atos perversos contra vítimas indefesas, os menores, a grande maioria com até 11 anos de idade. É lamentável.  Obviamente, cada um destes adultos abusadores é responsável por seus atos e deve ser julgado e, conforme, condenado. 

Mas o mais triste é reconhecer, como bem sabem os que "conhecem os segredos dos deuses", que a Santa Madre Igreja, não vai, muito provavelmente, abrir mão da obrigatoriedade do infamante Celibato Obrigatório, um de seus "pecados institucionais".

Quanto aos demais, especialmente os colegas e alunos, vamos proteger os menores da ação nefasta dos abusadores, tanto os das famílias quanto os das Igrejas!

domingo, 12 de fevereiro de 2023

O riacho (lembrando de Rumi)

Lembrando de Rumi


Tesouro de todas as cores a emanarem brilhos:

Um curso de água

A fluir lentamente

Tocado pelo Sol.


Qual joia preciosa, qual coroa de rei

Imita aos sentidos a beleza

De um riacho lentamente a mover-se 

Beijado pela luz do Sol?


sábado, 21 de janeiro de 2023

Deuses malditos (todos, de qualquer lado)

(Lembrando de Luchino Visconti e seu La Caduta degli dei, 

traduzido no Brasil como “Os deuses malditos”)


Deixei de crer nos deuses malditos,

Os tais "gênios" devoradores de valores,

Ao decifrar meus próprios mitos

Revelados pelos sonhos e amores.


Calei a lábia desses "deuses decaídos"

Destiladores de ideologias

Que confrontavam nos meus ouvidos

Cacofônicas filosofias.


Pude ver na realidade os frutos podres

Da criação de um Novo Mundo:

Crimes, Terror, arbítrio e fome.


Os ativistas destruidores do que existe,

Jamais atingem algum oposto desejável

Pois arrasam o melhor que há no Homem.


Amo Portugal

 

Amo Portugal
Isto já é certo,
Este estar quieto
Por fora
E por dentro 
Completo.

Amo estar 
Sob o meu teto.
Amo o Portugal
Do amor discreto.

Amo seus verbos
No infinitivo
Em que ir vivendo
É estar (bem) vivo.


sábado, 7 de janeiro de 2023

os incomuns



Sou do tipo incomum 

Que fica feliz

Quando há neblinas 

Numa tarde gris. 


Nuvens flutuando 

Nas ruas comuns

Pintam de mistério

Qualquer esquina,

E os horizontes 

Despercebidos

São como a presença

Só pressentida

Das coisas divinas.


Mas eu amo também

As cores pintadas

Por suaves chamas

De alguma brasa

Que ao se desfazer

Dá vida à  casa.


Alegrias tão simples

De quem ama o inverno

Como decifrar sonhos

E sussurrar versos.