quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Abuso sexual de menores em casa e, se não bastasse, na Igreja.

Para contextualizar aos amigos que se perguntam porque escrevo tanto. Por um lado, pelo gosto que tenho desde guri de pensar, ler e escrever. E, com a existência destas redes sociais, passei a publicar no Face book e neste blog que tenho.

Mas neste caso específico, escrevo porque em 1993 criei no Hospital Cristo Redentor de Porto Alegre, um hospital de Trauma que atende as zonas mais carentes de minha cidade, o "Grupo de Proteção à Criança e ao Adolescente". O grupo tornou-se e se manteve uma realidade por décadas, incluindo profissionais da saúde como psicólogos (maravilhosos), enfermeiras (excelentes), técnicos de enfermagem e assistentes sociais, tendo apoio dos agentes do Ministério Público do Brasil, com base na regulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Cada paciente vítima de trauma, ou em qualquer sugestão de abuso, era criteriosamente acolhido e investigado, obviamente com atenção às questões éticas, para identificar violência ou abuso sexual extra- ou intrafamiliar. E assim fizemos, encaminhando inúmeros  casos ao Ministério Público e Conselho Tutelar. Foram décadas de trabalho, envolvendo a coleta de história clínica e psicológica, exames físicos e de imagem, investigação do meio comunitário das famílias pelo Serviço Social, da situação real em que as crianças viviam. 

Confesso aos amigos que até hoje sinto que esta tarefa, que iniciou sem muita expectativa, tornou-se a coisa mais linda e valiosa que fiz como profissional médico e pessoa.

Centenas de casos encontramos e encaminhamos.

Como dizia o querido amigo Prof. Mosca, embasado nas  suas leituras do Budismo Tibetano: "Os médicos não vão para o Céu porque conhecem o Segredo dos deuses". Uma frase lapidar.

Aqueles anos de trabalho no Grupo de Proteção aos menores abriu nossos olhos para a realidade, além da cotidiana violência, sobre o abuso sexual dos pequenos dentro de casa, com a conivência das suas mães dependentes emocional e financeiramente de  maridos ou "companheiros". Esvaiu-se a ingenuidade sobre a sacralidade da família. 

A realidade é trágica e o pior é que, após o processo judicial, as vítimas eram frequentemente re-encaminhadas ao "sacrossanto reduto do lar", ou seja, aos seus abusadores, por juízes despreparados, que pareciam desconhecer, ou negar, que a pena para o abuso sexual de menores no Brasil é cadeia.

Por falar em sacrossantas, este "médico que não vai para o Céu" aqui, ficou sabendo que, havendo-se trazido à tona a questão dos abusos sexuais na Igreja em Portugal, houve pelo menos 4.800 queixas de abusos perpetrados por padres da "Santa Madre". 

E por que a Igreja? Por que não os pastores protestantes, os monges zen budistas? Por que a Igreja, vocês não se perguntam? 

Um motivo pode ser que não se investiga nos outros grupos religiosos, mas sinceramente não creio. Ou seja, a causa não se relaciona a uma crença religiosa, à crença em Deus, ou ao Cristianismo especificamente, mas sim a uma questão particular relacionada à Igreja Católica.

E aí trago uma referência importante, publicada em 1946 pelo filósofo Bertrand Russell, intitulada "A History of Western Philosophy"

Eu, por curiosidade, tentava antes entender onde e porque o Celibato obrigatório tornou-se uma regra fundamental da Igreja Católica, e só na Igreja Católica. Os apóstolos de Jesus tinham vida sexual, filhos. Quanto a Jesus não se tem certeza, nem deve ser uma questão relevante, ainda mais se sabendo que os textos do Evangelho foram retorcidos, recriados, visando a produção de um tipo de ideologia, a tal ponto que Maria, mãe de Jesus, foi "tornada virgem". Eu tentava desvendar isto e consegui a resposta com o grande Russell.

Pois bem, deixando o lado "sacrossanto", descobri que a obrigatoriedade do celibato na Igreja só surgiu no século XI, uma era terrível para a fé cristã, quando a Igreja, por exemplo, utilizou o Terror totalitário contra populações consideradas hereges como os Cátaros, dizimando-os. E obrigou os padres e freiras ao Celibato. Portanto, o celibato obrigatório para padres e freiras na Igreja foi instaurado no século XI por interesses econômicos, visando a evitar que as heranças das possíveis famílias dos religiosos (muitos deles oriundos da Nobreza) passassem para as proles de herdeiros. As fortunas permaneceram na Igreja, para o bem "da causa".

Ou seja, há 10 séculos um grupo imenso de seres humanos passou a ser proibido de amadurecer sexual e emocionalmente através da experiência dos amores familiares e, por que não, extra-familiares (direito concedido pela vida a cada um de nós, seres humanos).

Esta tragédia humanitária que envolve a estruturação da Igreja Católica pode ser a causa de que pessoas, apesar de serem devotadas sinceramente ao Sagrado, tornem-se agentes de atos perversos contra vítimas indefesas, os menores, a grande maioria com até 11 anos de idade. É lamentável.  Obviamente, cada um destes adultos abusadores é responsável por seus atos e deve ser julgado e, conforme, condenado. 

Mas o mais triste é reconhecer, como bem sabem os que "conhecem os segredos dos deuses", que a Santa Madre Igreja, não vai, muito provavelmente, abrir mão da obrigatoriedade do infamante Celibato Obrigatório, um de seus "pecados institucionais".

Quanto aos demais, especialmente os colegas e alunos, vamos proteger os menores da ação nefasta dos abusadores, tanto os das famílias quanto os das Igrejas!

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