sexta-feira, 18 de abril de 2014

sobre a violência contra os menores (na experiência de quem trabalha com isto)


A questão da violência contra menores lentamente vem à tona em nossa sociedade. Assunto doloroso sobre o qual muitos de nós preferimos guardar silêncio: maltrato fora e dentro do lar, abuso sexual, agressões físicas e descaso. Uma realidade que, embora frequentemente observada nos meios sociais carentes, apresenta-se também nas classes mais privilegiadas.
Creio, sinceramente, que uma parte do silêncio que cerca o maltrato, beneficiando o maltratante, é a ingenuidade de muitos de nós. As pessoas, em sua maioria, são “boas“, ao contrário do que se diz por aí. E têm enorme dificuldade em crer que os vizinhos com quem cruzam diariamente nos corredores dos edifícios estejam, de alguma forma, envolvidos em conflitos de natureza tal que possam desembocar em um crime contra os filhos. Projetam ingenuamente esta sua bondade. E isto não se passa apenas com o cidadão comum, mas diz respeito aos juízes e aos promotores públicos. Diz respeito aos vizinhos da comunidade eleitos como conselheiros tutelares. Talvez por sermos latinos e pensarmos com o coração, a simples ideia de algo assim nos envergonha, como se compartilhássemos a culpa, e nos leva a bradar, quando algum crime deste tipo ocorre: os pais são monstros! Mas até há pouco eram apenas nossos vizinhos. Lembramos que a criança nos mostrava sua tristeza, tinha manchas no rosto, comportava-se de modo estranho, algo nos dizia que havia algo raro ali, mas nós preferimos “tirar esta bobagem da cabeça“.
Se somos juízes ou promotores, preferimos “dar mais uma chance“ ao agressor contumaz, devolver a criança sexualmente abusada ao “sagrado“ ambiente do lar para que as coisas se reequilibrem.  Acreditamos que um abusador sexual possa se “corrigir“ na presença de sua vítima. “Deus dará uma solução“. A única “solução“, porém, talvez seja a desconfiança consciente e uma atitude firme, mas...
Quanto aos menores em situação de rua, explorados por adultos, temos todas as desculpas do mundo, sentindo-nos “bonzinhos“ ao não exigir que algo seja feito para que estes pais, ou adultos que as alugam, sejam judicialmente responsabilizados, liberando-as da situação de escravidão e possibilitando que possam ser escolarizadas, educadas fora das ruas.  
Mas mais delicado do que a ingenuidade natural das pessoas de bem, é a indiferença. Diz-se então: “isto não é da minha conta“, “como profissional, já tenho desafios demais, e estes dramas familiares, que se acumulam, não me interessam“, “os políticos que resolvam“.
“O que é que eu tenho a ver com isto?“. Muitos estarão certos: não têm nada a ver com isto, graças a Deus. 
Mas os profissionais a quem se delega o dever de cuidar de pessoas humanas, especialmente nas áreas da Justiça, do Serviço Social e da Saúde das Pessoas, têm o dever de se envolver em profundidade com o tema. Há o dever de estudar sobre a psicopatia, os distúrbios emocionais, o reconhecimento das violências física e emocional, bem como dos abusos sexuais. Há necessidade de afastar o agressor da vítima. Na maioria destas graves situações há uma sequência de atos de violência de intensidade sempre crescente que desembocam na morte ou em sequelas físicas e emocionais incuráveis. Outras vezes, sem atuação protetora, a vítima aprende a relacionar-se de forma violenta, ou abusiva, com o mundo, perpetuando-se a cadeia de sofrimentos para sua família ou para a família ampliada, a Sociedade. Algo que alguém já chamou de “carma familiar“.
Proteger, sobretudo a criança! Libertá-la da escura teia de uma família que, inconsciente ou conscientemente, se torna criminosa.
E, neste espaço, a responsabilidade dos profissionais esclarecidos se faz necessária. É preciso divulgar não só para a Sociedade como também para o pessoal da Justiça, do Serviço Social e da política, noções fundamentais sobre prevenção,  diagnóstico e o correto manejo da violência contra a criança e o adolescente. Para que não se ouça um deputado federal defendendo a libertação de assassinos  psicopatas baseado na ideia de que “errar é humano e todo ser humano tem direito a tentar novamente“. Bem, mas aí, além de uma ignorância crassa,  já se trata de hipocrisia e mau-caráter.

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