domingo, 1 de setembro de 2019

o Sonho da Razão




"El Sueño de la Razón produce monstruos"

Francisco de Goya


A Mente fabrica fantasias, produz monstros como bem expressou Goya ao chamar os produtos mentais de "sonho da Razão". Elabora memórias, emoções e sensações através de imagens, ideias que geram diálogos ou monólogos internos, em fluxo contínuo. No seu rodar de máquina constitui um “ruído de fundo” em nós, algumas vezes incômodo, irritante.
Há quem não perceba a diferença entre a Mente e o Ser, entre si mesmo e a Mente. Em situações intensas da vida, o mecanismo mental se exacerba e a pessoa torna-se vítima das imagens trazidas recorrentemente à consciência, dos pensamentos em fluxo acelerado, de sonhos ininteligíveis às vezes e dolorosos. É escravo do funcionamento automático, orgânico, da Mente e o “ruído de fundo” mental repetitivo não raramente agrava situações de depressão e/ou ansiedade. 
Drogas, abuso de álcool, medicação sedativa, sexualidade compulsiva, tudo é tentado para obter alguma tranquilidade pelo Homem que não aprendeu a se distinguir da própria Mente.
A Mente, porém, é o instrumento psíquico básico, estrutural, orgânico no Homem para elaboração e integração das sensações, emoções, memórias e vivências atuais, interpretação do mundo e da vida. Serve para enriquecer a experiência do Ser no mundo. 
Calar a Mente representa amputar a experiência da vida consciente, um tipo de morte em vida simbolizada pela figura literária de um zumbi. É a clausura da Imaginação e, portanto, da Criatividade.

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Há um tipo de treinamento mental meditativo que, quando erradamente entendido, confunde-se com amordaçamento forçado da Mente.  A meditação não deve ser utilizada tiranicamente como instrumento ou droga para calar a Mente, a qual nos fornece indícios sobre como estamos física e emocionalmente, como somos, o que fazemos e fizemos de nossa vida, como são as pessoas que nos cercam e as experiências que vivemos, enfim como anda nossa Realidade.

No material exposto pela Mente é preciso, porém, "separar o joio do trigo" e isto quem faz é a capacidade crítica do Ser Humano. Esta lucidez depende da inteligência emocional de cada um, ou seja, desta sabedoria que se expande através
 do agir no mundo dentro de uma Ética de cuidado de si e dos outros. Silenciar a Mente não significa a conquista de um céu artificial que anula a auto-análise.

A meditação pode sim possibilitar uma certa autonomia em relação aos conteúdos mentais, permitindo perceber que não somos nossa Mente, que ela é um órgão com funções definidas, que os eventuais “monstros” são apenas expressões de escolhas incompatíveis com o que verdadeiramente somos, de medos de viver o que nos cabe, ou de situações orgânicas vivenciadas como emoções. 
Meditando, passamos a utilizar a Mente como nosso instrumento num "processo de auto-criação", semelhante ao desenvolvimento criativo do artista, desde que tenhamos a coragem de perceber nossa realidade honestamente. Cada medo aceito, cada emoção percebida e elaborada são pilares estruturais do desenvolvimento interior. 

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A aceitação do que somos é o primeiro passo de um processo de transcendência.

Através do silenciamento da Mente pela meditação, é possível conviver de modo consciente e amigável com o fluxo mental, percebendo o pensamento ou a imagem no silêncio, aceitando sua mensagem e permitindo que se vá, sem entrar em conflito com o que nos mostra sobre o que somos e sentimos. Passamos a abordar o que temos dentro de nós como fazemos em relação a um amigo, aprendendo a lição de amar a nós mesmos como ao próximo.

O processo que se segue a esta etapa mental, o próximo passo, é realizado por instância psíquica distinta, silenciosa, que nos integra, reconstrói e desenvolve sem o ruído das palavras.






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