quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Vida indigna de ser vivida?

“Já não podemos nos dar ao luxo de extrair aquilo que foi bom no passado e chamá-lo de nossa herança, deixar o mau de lado e simplesmente considerá-lo um peso morto, que o tempo, por si mesmo, relegará ao esquecimento. A corrente subterrânea da história ocidental veio à luz e usurpou a dignidade de nossa tradição. Esta é a realidade em que vivemos. É por isso que todos os esforços de escapar do horror do presente, refugiando-se na nostalgia por um passado ainda eventualmente intacto ou no antecipado oblívio de um futuro melhor, são vãos.”

Hannah Arendt, As Origens do totalitarismo (do Prefácio)


Alguns alunos costumam usar a expressão "Vida (in)digna de ser vivida", como uma espécie de mantra do politicamente correto, na defesa da Eutanásia. Não sei de onde volta isto,  de qual fonte "anti-conservadora e progressista". 

É um absurdo indesculpável que este lema volte a ser usado. E, especialmente, ensinado. 

Este foi um dos slogans fundadores do Partido Nacional Socialista, ou seja, do "Mal" (Arendt). Desencadeou a liberalização, a perda de limites que redundou, finalmente na conhecida tragédia humanitária.  A classe médica dos países envolvidos abriu-se a esta possibilidade, acatando e aprofundando num crescendo a eliminação de vidas humanas. A tal "rampa deslizante" (slippery slope). O início, parece, foi ingenuamente bem intencionado.

A expressão "Vernichtung lebensunwerten Lebens", traduzindo, "terminar com uma vida indigna de ser vivida" é um lema eugênico, desenvolvido durante a República de Weimar pelo psiquiatra Alfred Hoche e o advogado criminal Karl Binding, que publicaram em conjunto o folheto "A Liberação da Interrupção da Vida Indigna de ser Vivida", em 1920.  Foi encampado pelo Partido Nazista, na  "Lei para a Prevenção de Distúrbios Hereditários", imposta em 1934, que permitiu a esterilização forçada de supostos "pacientes hereditários " e alcoólatras. 
A seguir, no início da Segunda Guerra Mundial , o conceito da "vida indigna de ser vivida" foi ampliado para assassinar doentes, incluindo "Eutanásia infantil"(1939), esquizofrênicos, e a partir daí, pessoas de comportamento anormal (homossexuais), e "raças inferiores", redundando finalmente no Holocausto.

Esta política enraiza-se num distúrbio de pensamento que envolve o niilismo gerador da Medicina Desumana (”Medizin ohne Menschlichkeit"), a qual é favorecida pela equiparação, em termos de valor, entre seres humanos e animais (Elkeles, B. Medizinische Menschenversuche;135).

Aqui trago, desta vez na íntegra a frase do médico Julius Moses, precursor da Bioética, publicada em 1932 (Pross and Aly, Der Wert des Menschen, 92):

“A missão do médico será criar o Novo Mundo, a Nova Nobre Humanidade. 
Só os curáveis sobreviverão. 
Os doentes incuráveis, as existências peso-morto, o lixo humano, o indigno de viver e o improdutivo serão eliminados. 
Em outras palavras, o Médico se tornará o Carrasco.”

É interessante e assustador que isto retorne a partir de alguns países historicamente associados ao Nazismo. Usar a Medicina como profissão envolvida no assassinato de seres humanos, apoiado pelas leis do Estado, representa um lamentável retrocesso civilizacional.

A atual liberação na Holanda do assassinato de crianças, incluindo bebês, por doença ou estresse familiar, de esquizofrénicos e outros distúrbios mentais, a perda dos critérios de indicação do procedimento,  a incapacidade estatal de controle regulatório, o crescimento exponencial no número de eutanásias, a utilização da eutanásia como “melhor prática”, suplantando mesmo os cuidados paliativos, são algumas das evidências que estes países deslizam na rampa.

Este filme já foi visto. O desfecho é conhecido.

Para quem deseja saber o que se passa na Bélgica em relação a isto, recomendo:
DOES THE BELGIAN MODEL OF INTEGRATED PALLIATIVE CARE DISTORT PALLIATIVE CARE PRACTICE? The Dossiers of the European Institute of Bioethics, publicado pelo European Institute of Bioethics. 





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