quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Dever de Matar?

"Quem será designado pelo Estado a empurrar das pontes os suicidas? Quem ensinará a empurrar?" Aqui, refletindo sobre os volteios teóricos e a racionalização de muitos para justificar crimes na Medicina. 
Em primeiro lugar, não há eutanásia ativa e passiva. O que se denomina incorretamente de eutanásia passiva é a retirada de tratamentos fúteis e a evitação do encarniçamento terapêutico. Deixar a Morte ocorrer sem mais interferir, porém mantendo todo o conforto do paciente, eventualmente por sedação profunda nos raríssimos casos em que as terapêuticas de alívio existentes não mais funcionam. Cuidados Paliativos eficientes envolvendo o paciente e a família.

São raríssimos países no mundo que legalizaram eutanásia, incluindo 4 Estados europeus (Holanda, Bélgica, Luxemburgo e Espanha), alguns deles com passagens pelo nazifascismo no início do século XX. Em dois deles pelo menos, Holanda e Bélgica, há graves problemas na observação dos mecanismos regulatórios, no controle legal dos procedimentos e, infelizmente, a eutanásia passou a ser a opção primária de atendimento a pacientes crônicos, suplantando mesmo o dever médico dos cuidados paliativos. Além disto, em termos práticos, ampliaram-se as indicações da indução de morte pelos médicos, incluindo doentes psiquiátricos, bebês com enfermidades (ou por estresse psicossocial dos familiares), e mesmo na ausência de sofrimento insuportável ( vide: https://www.ieb-eib.org/en/file/end-of-life/palliative-care/does-the-belgian-model-of-integrated-palliative-care-distort-palliative-care-practice-442.html)
O suicídio assistido é realizado também em raríssimos países (Suíça, Alemanha, um estado da Austrália e alguns Estados dos Estados Unidos). 

Tendo em vista que eutanásia é assassinato (esta é a expressão verdadeira, mesmo que sendo aprovado o ato por um Estado, ou associando-lhe o adjetivo piedoso), e o desfecho constitui o maior risco possível da prática médica (a morte), não há sentido em considerar a eutanásia como um "ato médico", o qual na sua essência, visa o tratamento de uma pessoa doente.

 E aí surgem algumas questões: 
 -Por que deve ser, portanto, um médico o responsável pelo assassinato de um paciente permitido por lei, se não há tratamento e o risco maior, a morte, será sempre o desfecho?
 - Como se justifica que a Medicina, destinada ao tratamento de doenças e à minoração dos sofrimentos através de terapêuticas, evitando sempre os riscos à integridade física e psicológica das pessoas, torne-se por vontade do Estado, ou influência midiática, ou por ideologia num momento histórico, ou ainda pela vontade popular, a profissão responsável e legalmente liberada a acabar com vidas humanas?
 - Em relação ao respeito à Autonomia de um paciente, até que ponto a Medicina não se prostitui ao obedecer “o cliente” (utente) ao realizar seja lá o que ele, o cliente, e o Estado que paga, desejam, independente de seus princípios fundamentais como Profissão? Ou a Medicina deixou de ter princípios? Tornou-se o quê a Medicina? A “Grande Prostituta”? A obediente súdita do Estado? 
 -Sendo imputada a uma categoria a tarefa de matar pessoas, quem preparará os profissionais (eutanasistas? suicidadores?) para este gravíssimo e lamentável dever, que certamente implica no desenvolvimento de distúrbios crônicos emocionais e psicossociais nos diretamente envolvidos? Serão os professores de Medicina usados para ensinar aos seus alunos os métodos de matar? Quem pode ensinar alguém a empurrar os suicidas das pontes? 
- Finalmente, por que estas sociedades não selecionam outras categorias para cumprir a mais degradante das tarefas? Quem sabe, membros de partidos políticos? Ou burocratas do Estado? Ou pessoas, independente de profissão, para quem matar não constitui uma questão existencial crucial, ou mesmo consideram o ato de matar algo digno, heróico e, por que não, uma prazeirosa "experiência de poder"? Há muitos certamente assim entre os políticos e burocratas do Estado. As condutas para induzir a morte são fáceis, sem desfechos inesperados, e qualquer pessoa com mínima inteligência e poucas habilidades, mesmo um deficiente físico ou psíquico, pode capacitar-se para tanto. Sem envolver a Medicina, profissão cujos princípios são o oposto do assassinato e portanto exige a mais alta capacitação.

 Aos verdadeiros médicos, mantém-se como dever a mais nobre das atribuições: criar, estruturar e participar de programas de atendimento a pacientes crônicos, sejam adultos ou crianças, incluindo os cuidados paliativos tão raros na maioria dos países; aprofundar o estudo da terapêutica da dor, física e psíquica, buscando saná-la ou reduzi-la ao máximo, bem como aperfeiçoar e aumentar a gama de opções terapêuticas para a cura ou, pelo menos, melhoria das doenças, seja por psicoterapia, farmacoterapia ou terapêutica cirúrgica. 

Porque médicos, os verdadeiros, são chamados a capacitar-se à pesquisa científica e farmacológica e envolver-se com outras profissões biomédicas para o desenvolvimento de novas drogas, vacinas, tecnologias, no espírito de uma verdadeira e criativa compaixão, a isto devendo dedicar toda sua vida, seu tempo e sua inteligência.

 O resto é política, incompetência, conformismo, filosofia caduca, niilismo, usos e costumes da ideologia e do discurso. 

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